Fico ainda a sentir o teu mar em meu corpoque estivera à deriva em tormenta ou marola
desenrola-se em mim o suave vaivém
da eterna carícia entre a espuma e a areia
do afago infinito e elementar de nós dois
No minimundo de uma cultura sempre novíssima, cujos habitantes julgam não cultivá-la, há estranhíssimas auras em torno dos feitos das pessoas que carregam os nomes das pessoas que os carregam seus feitos. E eu aspiro mundar-me, mas submundo-me ainda, não sabendo ser sorte a minha periférica frustração.
Se o amor é embrulhado
Cimento e ar
A palavra se enche, se esvazia e se reenche de significado com grande velocidade e banalidade, até o momento em que é petrificada pelo pensamento estático, preguiçoso, embotado, cansado de nunca ser.
Objeto da ação
Tenho negligenciado este blog deveras e hoje o farei novamente, porém, com uma postagem. Possuo um daqueles cadernos, sim, um caderno, de papel, com linhas impressas e uma espiral metálica, em que anoto certas digestões intelectuais/espirituais nos momentos mais criticamente tediosos e irritantes de determinados dias, quando existe a necessidade de autocontrole para que não se transforme em autoflagelo. Visto que a incidência destas circunstâncias é grande, como provavelmente o é para todos os "trabalhadores honestos" deste mundo, há bastante material... A qualidade é duvidosa, mas fingirei que a justificativa da publicação é estudar a mente criativa nessas situações. Portanto, finjamos ser esta uma investigação conjunta, em partes, e a primeira:
Musa desse lapso de tempo
O cão não é humano
Não é só mais um título "espertinho". O apego que temos pelo ego está lentamente nos levando à ruína e tornando ilegítimos quaisquer esforços sinceros de luta pró-minorias e/ou coletividades. Enquanto dermos mais importância a esse títere que inventamos, boneco de ventríloquo que animamos e ao qual damos voz, faremos justamente a vontade de uma força descomunal que nos encaminha aos empurrões para um progresso vazio, uma cultura com o ego no centro do quadro, objeto de culto, motor da alienação plena. Grupos são compostos por indivíduos, e é sobre a individualidade orgulhosa que tripudiam centenas de tipos de fazedores de dinheiro. O feminismo, para citar só um exemplo, que pode ter nascido de um genuíno impulso libertário de mulheres cheias de indignação e coragem, ao ser comprado, processado e vendido mais caro (é o que o capitalismo faz), tornou-se a imposição de um estilo de vida estupidamente masculino ao "universo feminino", resumindo a realização do desejo de liberdade e igualdade ao uso de blêiseres chiques em cargos executivos por parte de mulheres com voz imperativa, não necessariamente ativa, que imitam o que de pior há no comportamento machista dos homens de negócios. Uns poderiam argumentar que a mulher faz negócios à sua maneira, mas só o fato de fazê-los é em si uma repetição imposta, visto que, uma vez livre do servilismo, a mesma mulher tem potencial para dar uma infinidade de contruibuições ao mundo e à humanidade. O feminismo virou, portanto, um fetiche propagado e vendido como idéia, alimento egoísta. É o que o capitalismo faz.
Começando com máximas, mas não frases prontas, para foder com a cabeça e encher o saco do leitor inexistente aqui materializado diante do texto, logo de cara: a verdade é só um momento do falso, nossa realidade é inventada para nos domesticar, você não controla sua própria vida, você não é mais que um público-alvo ou consumidor, etc... Já falei bastante disso aqui nesse blog e minha intenção é apenas criar um primeiro parágrafo que dê sustentação ao segundo, por paradoxal que pareça, mas é preciso ter um ponto de partida. Neste caso, é um ataque verbal ao capitalismo e o jeito como ele entorpece nossos sentidos substituindo o que poderíamos chamar de realidade por uma fictícia, mas que levamos absolutamente ao pé da letra.
O homem encanta
Noam Chomsky
Nasceu dormindo, num domingo, e quase foi dado por morto, não fosse um pulso fraco, mas pulso, que lhe acometia. Às tantas foi acordado e aquela tal luz a que foi dado parecia a morte, dor pulsante, chorou de raiva, dormiu de susto. Em dado momento da existência infantil, por vezes injusta, ainda que dela, sob nostálgica luz, digam-se doces advérbios e adjetivos temporais, descobriu ser do sol distante aquele brilho, não invenção de seu pai, e de choque pulsaram-lhe as têmporas. Quando se ia, se dormia. Ah, se nos fosse dado mais tempo, morreríamos jovens, ora, não é o desejo geral? Ser jovem por um século e disso padecer, mas padecia o nosso jovem do medo de envelhecer. E assim o fazia, medrando tarde, madrugando cedo da curta e bem quista morte, trabalhava duro a vida, essa vida, talvez dádiva, talvez maldição, acontece que o mundo não lhe deixava escolher, e o impulso padrão era sofrer pela opção positiva, e aprendia a passar o dia a esquecer o dia-a-dia, para ver no fim do próximo, ou do mês, o ouro em seu bolso luzir. Que alegria, será que podia com isso comprar seu sonho dourado, seu prêmio aguardado, seu sono atrasado desde a concepção? Foi saber que não, sossego não tinha, enquanto não obtivesse o objeto mais novo, e subisse na empresa, empreitada, ganhasse respeito, mas subiam-lhe aos montes, nas costas, cabeça, às suas custas, macacos que fazem, faziam, executivos? Vai lá saber. Mas isso era bom, carpe diem, a propaganda dizia, a se apropriar da vigília, forçada, é verdade, do já não tão jovem, pela tática da repetição: um pulso, impulso, dois, latência, retorno, que lucro, que nada, que lástima. No fim desse túnel parecia nem haver centelha, mas no meio ardeu uma chama, quando venceu-o a paixão, e a ânsia de alimentá-la. Haja lenha, mas tempos felizes sem sono, por fim, quem diria, passava. Se empenhava em pulsar prazer e prover, a trazer todo dia pra casa o amor e seus frutos, quando então contraíram saúde e doença, ele e a Lúcia — até que a morte os separasse. Não precisou tanto, bastou convivência e o fogo se foi, por mais que nas brasas se cresse, mas nesse entremeio uns rostinhos brilharam, famintos gritaram, e ensinaram ao desjovem afeto, cuidado, tamanho que sono não havia, que vida, que vidas! Já quando essas graças partiram, à sorte ou azar, motores de igual propulsão, almejou retornar a dormir, relutante e sincero. Dúvida dada, passou a ver mundo enfadado, reclinado, de olhos semicerrados em frente à telinha mortal, destruidora de vistas, lares, globos oculares, irradiando luz e projetando sombras, silhuetas d'alma, sombrias e sós: paredão. E então que esse homem, recebendo o folclórico tapa traseiro tardio, ausente, de início, gritou em silêncio o rebento da idéia final. Havia dormido, o tempo passado, e o sono querido era a paz acordada, vivida a valer, que agora colhia, mesmo sem ser, um luto contente, e no entanto antecipado. Quis treva suave, que o sol falecesse em seu sono, e no dele, pulsando seu fim devagar no horizonte, dormindo, domingo.