sábado, 31 de março de 2007

O sistema em bloco do delicioso dinheiro violento

Eu adoro o Bloco de notas. É verdade! Se tem uma coisa que o Bill Gates fez bem feito nesse mundo foi o Bloco de notas. Um programinha safado de simples, mas que não consigo deixar de manter ali, no cantinho da tela, sempre, em um atalho rápido para dar vazão igualmente veloz a qualquer pensamento que passear pela mente durante o grande tempo que passo por dia na frente desta coisa que insistem em chamar de "micro" computador. E com pouquíssimas opções de estilo, esses acessórios que só nos fazem perder mais tempo do que já perdemos brigando com o Word.

Mas o Bill Gates fez muito mais do que o Bloco de notas. Devemos supor, é claro, que para entrar no seleto grupo das pessoas mais ricas (materialmente falando) do mundo, é preciso realizar algo mais... hum... grandioso? Pois ele criou um império. Aqui nesta atrasada (deve fazer um mês que não escrevo nada) e insólita blogagem, tentarei estabelecer uma conexão ainda mais insólita e criada totalmente a partir de meus pífios conhecimentos entre algumas das coisas que nos parecem mais reais: negócios, riqueza e violência.

Pois bem, Bill e Steve, dois universitários nerds, nos esquisitos anos 70, ignorando essas bobagens de Vietnã e Guerra Fria, começaram a brincar sério na garagem de um dos dois em maravilhas de brincadeira que viriam a revolucionar vários desses mundos que dizem ser os nossos: o dos negócios, o da tecnologia, o das relações humanas, do entretenimento, da comunicação... uma porrada de mundos! Cortando a parte em que Steve (Jobs) foi para um lado comer sua iMaçã e o outro para outro, ficar olhando pela janela - eles criaram um sistema operacional que operaria o sistema. Especula-se que eles tenham copiado a brincadeira da Xerox, sim, aquela que virou sinônimo de fotocópia, mas vamos ver se ponho um link aqui para vocês se deliciarem com essas pequenezas e continuar o pensamento.

Eles permitiram que eu escreva esta bobagem toda no Bloco de notas (eu te amo), que você leia essa bobagem aí do outro lado, e que possa, a qualquer momento, conduzir um rato eletrônico para outra bobagem qualquer que esteja ao redor dessa janela que não dá para fora, mas para dentro, isso é lindo, deram visualidade para operações virtuais que reinventaram o antiqüíssimo trabalho com papel, guardado em arquivos de metal com centenas de quilos, que nos poupa energia, tempo, dinheiro, tudo com esforço mínimo, delicioso, é pornográfico, bate-papo, câmera, risos, é o computador, beije-o, coma-o, msn, que tesão, jogos, mp3, dvd, homens, mulheres, ah, adão e eva no second life, orgasmo!

Este é o lado bom, talvez branco, a superfície, talvez água, o Yang, o cristalino, o bem-aventurado, a bonança, os bem intencionados, gente que fez dinheiro fazendo coisas boas para a humanidade, muitos podem supor. Supunhetemos, então, que eles sejam a exceção, mas na verdade são a metade dos capitalistas. E vamos para o lado negro, o Yin, as trevas, o underground, o fogo do inferno, o quinto da puta que pariu, os malignos, o azar.

Alguém aí assistiu O Senhor das Armas? Filminho legal, tal, Nicolas Cage, sacadas de câmera, bala na agulha, cano da pistola. Denúncia: oh, existem contrabandistas de armas! Eles são frios e calculistas! E são ricos! Ora, e por que não poderiam estar na lista Forbes dos homens mais ricos e poderosos do mundo? Homens, sim, pois mulheres são usadas nisso tudo com muito menos participação nos lucros, o machismo atinge também o trabalho "informal"... E mais, o que impediria estes homens de figurar em tais listas como benévolos publicitários, CEOs e CFOs de grandes empresas das indústrias da informática, construção, telecomunicação, educação, dos móveis, do mármore, dos refrigerantes, explosivos de extração de minério, do petróleo, das jóias, do fast-food, calçados, música, cinema, cigarro, vidro..?!

Billy e Stevie ganharam o sistema fazendo um sistema. Estes personagens ocultos ganharam o sistema sistematizando o crime e botando medo nos boas praças da superfície. Um mundo subterrâneo que sustenta todo o resto visível, fornecendo Kalashnikovs para guerras civis em países de terceiro mundo e de fronteira em terceiros orientes-médios, maconha para o favelado e cocaína para o playboy, redes de jogos com bicheiros e donos de bingo, produtos contrabandeados no Centro de São Paulo e nas praças de Moscou, pirataria de artistas famosos dos Istaduzunidus e jogos eletrônicos Made in Japan. A máfia promove muito mais estabilidade para o mercado mundial do que aquela bolsa da China que falei no penúltimo e longínquo post. A violência é muito mais parâmetro de saúde econômica que o "Risco Brasil" e termos estúpidos afins. O risco de sangue no chão indica muito mais a vitória de uns sobre outros no âmbito da concorrência corporativa do que o traço vermelho na apresentação em Power Point (outra grande invenção dos nerds) dos presidentes de multinacionais indicando baixa nos lucros.

Tudo está no método e no fim. Enquanto temos bonzinhos trabalhando para criar os móveis que permeiam a escola, que educa pessoas que trabalharão como faxineiros em um banco ou que serão cientistas a tentar salvar o mundo com pesquisas financiadas por mega empresários sobre a cura da Aids, temos mauzinhos operando na surdina para incitar o vício em heroína do músico famoso, que dividirá a agulha infectada com um outro pobre coitado que tem diabetes e compra medicamentos da Pfizer, remédios que outro misturará no Johnny Walker para dar um barato e fumar tranquilo um cigarro. Em tudo há o leve e o pesado, o lá e cá, o céu e a terra, o forte e o fraco, o bonito e o feio, o dentro e o fora, o Yin, o Yang, a água, o fogo, o bem-aventurado e o desgraçado, o crsitalino e o opaco, o "certo" e o "errado".

William Bonner: Novos ataques do PCC aterrorizam São Paulo e levam caos à cidade que nunca pára.

Fátima Bernardes: Novo iPhone revoluciona mundo das telecomunicações e coloca Apple na vanguarda da tecnologia.

William Bonner: Nova vítima de bala perdida no Rio de Janeiro é a sétima em uma semana.

Fátima Bernardes: Novidade no Japão: camisinha que fala é a nova onda entre os jovens na terra do sol nascente.

Homer Simpson: Ãhn?

E a gente fica encucado vendo os políticos falarem que vão dar um jeito na violência. A violência! Mas há muito mais gente interessada em sua continuidade do que pode imaginar nossa ingênua telespectadoridade. Ela movimenta uma indústria muito mais poderosa do que aquelas que têm seu sucesso comunicado pela sorridente Fátima Bernardes enquanto o motorista de ônibus come arroz com farinha. O crime, comunicado diariamente pelo viril William Bonner enquanto a dona-de-casa passa roupa, sustenta com conexões muito sutis, porém sólidas, entre os heróis e os vilões da sociedade capitalista, toda a "realidade" de progresso, evolução, riqueza e bem-estar que estamos acostumados a almejar em nossas vidinhas trabalhadoras e trabalhadeiras, com os olhinhos brilhando de emoção ao comprar um celular novo. Todo branco tem um preto e o equilíbrio desta nossa casa moderna, maravilhosa e iluminada, é um porão nojento, frio e escuro.

A mesma grana que nos mata cruelmente nos enche de gozo empanturrado todos os dias, criando ligações sinápticas entre o mundo e o submundo. O dinheiro sujo é limpo pelo limpo, que depois é sujado. Mas pode ser que esse equilíbrio esteja apresentando sintomas pendentes ou balançantes de destempero e exagero. A violência é produto e produção, assim como é produzida a vida tranquila que produz consumo. Da próxima vez que ler sobre o mais novo bom moço.com e o vir com penteado impecável na foto, pense que, por trás das lentes, ele pode estar apertando a mão do mais antigo escroto.br, piolhento e seboso, para que tudo fique nos conformes e a roda gire... pelo menos durante o tempo que durar seu impulso. No momento em que ela começar a parar e alguém girar para o outro lado, pode ser que nosso universo.org comece a degringolar, gerando o caos da próxima revolução, que vai virar a mesa e trazer novo balanço à gostosura da vida em sociedade. Mas eu adoro o Bloco de notas.

Ouvindo: A Tribe Called Quest - Electric Relaxation. Nesse vídeo abaixo vocês podem perceber que eu gosto sim de hip hop. Talvez este ótimo som vos lembre de repudiar 50 Cent e coisas do gênero quando ouvirem da próxima vez. O hip hop já existiu.

sexta-feira, 9 de março de 2007

Quantum Bush (blogbagem em uma visita só!)

Come to daddy!

No dia do eclipse lunar total, um evento que exerce fascínio incondicional sobre a grande maioria dos seres humanos e, quem sabe, outros seres, eu estava num lugar alto, com vista privilegiada do céu. A conversa com uma amiga tomou rumos de questionamento existencal básico, sobre nossa pequenez diante do universo, quem somos, de onde viemos, para onde vamos... Tudo inspirado pela visão extraordinária de um satélite natural, um astro, afinal de contas, que mostrou sua vulnerabilidade em relação a um fenômeno tão convencional quanto um bloqueio da luz, uma sombra. Parece bobagem pensar em algo assim, mas com quais outros corpos celestes poderíamos observar, a olho nu, tal acontecimento, senão com a Terra, o Sol e a Lua?

Pois bem, papo encaminhado aos mistérios da vida, ela comentou o filme "Quem Somos Nós", o que constatei mais tarde ser uma tradução bastante arbitrária. O nome em inglês é "What the Bleep Do We Know!?", a palavra "bleep" representando o bipe que ouvimos em programas de televisão quando alguém fala um palavrão. Portanto, "Que ***** Nós Sabemos!?" ou ainda "Que Diabos Sabemos Nós!?" poderiam ser alternativas mais interessantes. De qualquer maneira, o filme se apresenta como uma introdução à física quântica e, nas palavras dela, outras pessoas que o viram consideraram a película muito "didática". Assisti ao documentário e, apesar dele possuir opiniões especializadas em abundância, achei menos didático do que poderia ser. Na verdade, ele acaba sendo simplista e eliminando conexões importantes para explicar os fenômenos que busca explicar e com os quais maravilhar os telespectadores, sugerindo viagens no tempo, possibilidades infinitas de manipulação da matéria e por aí vai.

Interromperei este assunto com uma pequena dose de crueldade, para mais tarde uní-lo a outro. No mesmo dia, conversamos sobre a construção da história e de teorias que apóiam um grande período de domínio da mentalidade esquerdista, a partir dos anos de governo militar, que são contados pela esquerda, e portanto o consenso sobre as torturas, repressão generalizada, polícia do pensamento, exílio, etc. Ok, mas após 500 anos de história contada pela direita, que tal variar um pouquinho? Isso assumindo que esse direitismo começa na escola, onde somos ensinados a pensar na benfeitoria dos bandeirantes, na selvageria dos índios, nas boas intenções dos catequizadores em difundir o cristianimso (historicamente de direita, ou seja, a favor de políticas totalitárias e/ou capitalistas) entre os pobres animais. Atingir a imparcialidade é, na minha opinião, uma grande utopia, e se vamos ter que engolir interpretações de dois ou mais vieses intercaladamente, assim seja, até que consigamos pensar em uma solução.

E não é nem questão de ser lá ou cá, mas perceber uma realidade muito maior. Não era só no Brasil que havia governo militar. Os EUA apoiaram e colaboraram em muitos outros lugares para manter um bom nível de controle sobre a região e impedir que, em plena guerra fria, esses países de terceiro mundo pendessem perigosamente para o lado comunista do "conflito". Estudiosos, economistas e políticos, na maioria militares ou apoiadores do regime, excluíram de seus escritos a parte em que fomos apenas joguetes nessa briga por poder, a caminho do grande desenvolvimento que nos esperava. Se um período de prosperidade (questionável) tem esse custo e está tudo bem para nós, ora, que volte logo o tal regime!

Muito se fala no declínio evidente da influência soviética no mundo e da ruína da URSS, mas pouco se fala da gradual e simultânea extinção dos regimes militares de direita. Talvez porque não fosse mais necessário, graças à queda do lado inimigo, mas podemos supor que as duas frentes retraíram por motivos muito próximos: a vitória do neoliberalismo, que não via aliados no conservadorismo exacerbado de nenhum dos lados (cá para nós, o comunismo também tinha lá seu quê de conservador), mesmo podendo ser creditada essa vitória também à direta, como era conhecida na época. Este novo (mas não tanto) conceito econômico com óbvias consequências políticas acabou entrando forçadamente como uma terceira via, claramente capitalista, mas muito mais branda do que a ditadura, se é assim que queremos continuar chamando o governo militar (Oh!).

Eis que paramos para observar o Brasil, pedra imponente incrustada na América. Aqui se fala o português, ninguém quer saber do espanhol, sabe-se mais da história de grandes homens franceses e americanos. O que você aprendeu sobre a Venezuela ou a Bolívia na escola? Muito mais do que aprendem os americanos e europeus? Lá também tem Amazônia... Eles mascam folhas de coca para enfrentar a altitude... Que índios interessantes! Você, que usa camisa do Che... ou você, que o considera um assassino mordaz... não importa: ele foi um dos primeiros a falar de América Latina unida, e isso não quer dizer Mercosul ou acordos comerciais fortes para combater o dólar e o euro em igualdade no mercado internacional. Pelo menos não para mim! É um envolvimento cultural mais forte, criar laços mais estreitos, um interesse verdadeiro pelo povo vizinho. Mesmo que Huguinho Chávez e Evinho Morales não estejam pensando muito nisso, talvez estejam, enjoa-me ouvir opiniões duras contra esses insignificantes países, vindas de quem nunca se interessou em absoluto pelos coitadinhos.

É pelo mesmo motivo que a Lua nos interessa mais durante um eclipse! Ela está sempre lá, rodando, quietinha, com suas fases... até olhamos para ela com mais freqüência quando está cheia, mas ainda assim o fenômeno da sombra supera em número de espectadores. Se agora somos forçados a olhar para a Venezuela por causa do eclipse da nacionalização, com as fases da estatização, da recusa a acordos multinacionais e, quem sabe, em última instância, o confronto direto com os EUA ou qualquer outro país que não esteja satisfeito com isso, ora, pelo menos agora estamos olhando para aquele cantinho do continente! Agora o Bush vem falar para o Lula escolher logo seu lado. "Governo americano investirá MILHÕES na Ameriquinha..." Who's with me?! E o Brasil, cumprindo seu papel de testa-de-ferro, como bem disse meu avô, impõe sua economia avançadíssima sobre os temíveis países terro-nacio-socia-comunistas... austero, imponente, chefinho do quintal... que tristeza!

Saibamos que, logo após o 11 de Setembro de 2001, especulou-se uma suposta tríade maligna na Am. do Sul: Venezuela, Bolívia e Colômbia... e, surpreendentemente, a eleição certa de Lula, um sindicalista, um nordestino, um ignaro instruído oriundo do proletariado, incluiria o Brasil na brincadeira. Leiam um trecho desse artigo de 2003, na minha tradução livre, que analisa a política externa americana após os ataques. (leia na íntegra em inglês, se preferir, no site da FPIF, Foreign Policy in Focus, do Centro de Relações Internacionais):

Do Chile a Cuba, de Cuba ao México, países latino-americanos se uniram a Washington no encalço dos ataques de 11 de Setembro. A Organização de Estados Americanos [OAS, em inglês] emitiu uma declaração, dizendo que "individual e coletivamente, nós vamos negar a grupos terroristas a capacidade de operar neste Hemisfério. Esta família americana permanece unida". A despeito desta irrefutável demonstração de solidariedade, a administração Bush voltou largamente as costas para seus aliados latino-americanos. Mais perturbador é que está promovendo guerra contra seu próprio "eixo do mal" latino-americano - os "narcoterroristas" colombianos, o Fidel Castro de Cuba e o Hugo Chávez da Venezuela - com pouco ou nenhum esforço para levar em conta as preocupações dos líderes latino-americanos, realizar acordos regionais ou comprometer-se com a OAS.

Ainda outro país foi adicionado a este "eixo do mal", de acordo com o representante conservador Henry Hyde, com a eleição de Luiz Inácio ("Lula") da Silva no Brasil. Durante sua posse, Lula garantiu erradicar a fome no maior país da região, uma ameaça [a fome] muito maior do que o terrorismo internacional, incitando o presidente venezuelano Hugo Chávez a proclamar um "eixo do bem".

E o Fome Zero não vingou. Mesmo assim, para algumas instituições dominantes, é tempo de reavivar laços, dá para perceber? Bush e o Papa vêm ao Brasil... afinal, não se pode deixar a peteca cair! Católicos a todo vapor adorando um membro da Opus Dei (defesa e "crítica") dentro de um carro à prova de balas! Americanistas medrosos a todo gás (venezuelano) babando ovo para o presidente das guerras inventadas em um carro blindado! Não que os EUA estejam lá muito preocupados com a imagem que passaram ao enfiar o dedo na cara do Brasil quando sentiram-se ameaçados com o terrorismo, é nossa obrigação superar isso, não é? Afinal, o "papai" da América é assim mesmo, meio durão, dá umas broncas de vez em quando nos filhinhos, sob pena de tirar-lhes a mesada ou, hum, aumentar os juros sobre a dívida da mesada. George Bush veio é ver se está tudo correndo bem no celeiro, enquanto o pobre Lulinha fica chupando o dedo ou a cana-de-açúcar na esperança de que nosso metanol venha a resolver todos os problemas da economia brasileira.

Fora-Bushes em todo lugar não vão fazer muita diferença enquanto Lula diz "venha Bush"! Digam o que quiserem, mas romper com a economia americana demanda muita coragem... Se a Venezuela e a Bolívia definharão nas próximas décadas, só o tempo dirá. Resta-nos escolher se queremos apenas assistir e ficar na corda-bamba por tempo indefinido e de maneira compulsória, ou se vamos finalmente enfrentar a queda pela qual esse país ainda não passou, não sofreu, um país que ainda não existiu... Risco-Brasil, alta e queda de juros, do dólar, do real... Enquanto o Brasil for dependente, cada vez colônia de uma metrópole diferente, não vai chegar nem ao extremo bom e talvez nem ao extremo ruim.

O presidente parece estar fazendo tudo certinho ao receber o texano com um tapete vermelho, inclusive atrapalhando o já bem atrapalhado trânsito de São Paulo. O Lula de quem a Regina Duarte tinha medo, 4 anos e pouco atrás, acabou não fazendo nada que ameaçasse o tédio da classe média, o bolso da classe alta e a miséria da classe baixa. Tampouco é o Lula que cumpre corretamente os mandamentos do Consenso de Washington, já que ainda é criticado duramente por não promover o desenvolvimento econômico que se espera de um país desse tamanho. Mas, por que lado então criticar esse presidente, fantoche ou não, se esse paradoxo não tem solução? A única maneira de criticar é por pensamentos políticos diferentes. Se quero um país de primeiro mundo, alinhado aos interesses do resto do primeiro mundo, seja lá o que isso signifique, quero um presidente de... direita? Se quero um Brasil livre de dívida externa, cultura de massa, sem escalada por dinheiro nem violência para coletar os resíduos da riqueza excedente e concentrada (a nossa tal crise da violência, que, pasmem, não brota da terra), quero um presidente de... esquerda?

Quem dera fosse simples. Como também não tenho resposta para isso, voltarei às questões existenciais, mais misteriosas ainda, mas divertidas, de certa maneira. A física quântica é, em termos extremamente simples, a física das possibilidades. Porém, ela foi envolvida em uma manta New Age nos anos 70 e 80 do século passado, o que confundiu bastante as coisas. Passou-se a falar de "pensamento positivo" e que a matéria, nossos corpos e o estado das coisas poderia ser alterado com o poder da mente - basta condicionar-se para fazer escolhas diferentes, ou todas as escolhas ao mesmo tempo, enfim, quem sabe arranjo alguém gabaritado para falar disso aqui no blog em breve. O fato é que, para muitos, finalmente uma ciência trazia fé! Sim, pois é sabido que pensamos em religião para assuntos de fé, nossa imaginação e nossos desejos, e em ciência para assuntos estabelecidos, o real.

Assim, depois de assistir ao filme, fiz algumas pesquisas a respeito da física quântica e achei, de fato, mais conversa New Age do que qualquer outra coisa. Mas o engraçado é que me deu, sim, alguma esperança. Isso me deixou desconfiado e me fez ir atrás dos céticos que refutam o uso atual desta ciência com muita veemência. Mas isso também não me satisfez, fiquei com um pouco de raiva dos ultra-sérios. Percebi que quanto mais me aproximo de uma crença qualquer, mais quero me afastar dela, e quanto mais me afasto, mais quero me aproximar. Estamos sempre procurando algo em que acreditar. Se não estamos, afundamo-nos na apatia do dia-a-dia, ou na alegria de não ter preocupação maior do que trabalhar para comer, reproduzir, divertir-se e morrer. Mas a pulguinha atrás de nossa orelha é muito insistente e, como eu, você já deve ter se perguntando "o que somos?", "para onde vamos?" e afins, além de parar às vezes pra pensar que são muito poucos os que se envolvem com essas questões realmente importantes da vida, seriamente ou mesmo profissionalmente. Quem está promovendo nossa evolução constante, ou como quer que se chame o processo que nos leva a realizar implementos diferentes, de tempos em tempos?

Se a evolução é o que nos manteve andando sobre a Terra nesses trocentos milênios, que permitiu nossa adaptação a novas condições sem que deixássemos de reproduzir, então existimos para evoluir e evoluímos para existir. Este processo não é palpável, ou visível enquanto acontece, talvez não na questão biológica, mas na tecnológica é, e muito. Você se sente envolvido neste processo de evolução tecnológica, de progresso, de alguma maneira além de trabalhar que nem um camelo para gerar dinheiro, para que "alguém" cuide disso para você? A comunidade científica é enorme, sim, mas não será acertado dizer que as decisões históricas mais importantes foram tomadas por "eleitos" e "iniciados" nas artes do poder, da ciência e da produção em geral? Não sei de você, mas, acredito que a chamada democracia, que deve existir em algum lugar remoto, não aqui no Haiti, implicaria participação em TODOS os processos decisórios por parte do povo, isto é, se você quiser fazer faculdade de física nuclear e contribuir para uma nova Guerra Mundial, você pode!

Para me sair bem dessa confusão toda, tento dizer o seguinte: se você quer realmente fazer a diferença, trate de se esforçar para ter uma participação real no pensamento da produção, na geração de lucro, na organização social, na revolução tecnológica, na pesquisa biológica, sei lá. Só não fique punhetando em blogs, jornais ou discussões de bar. Poderia terminar apenas com essa ironia raivosa, mas prefiro terminar com um poema de minha autoria. Calma, não o escrevi agora, depois ou antes desta bíblia de sandices, faz algum tempo. Tenho outros sobre o mesmo tema, mas com o tempo vou publicando. Talvez a arte seja uma punhetagem mais digna, pois brinca com a técnica ao mesmo tempo em que mexe com os sentimentos. Sintam alguma coisa ou não, mas tomem uma posição, pelo amor de deus!

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Piada Fácil (Vício Circuloso)

Deixemos de lado
o lado outro onde o óbvio ulula
Façamos política, apenas,
se for nula a pena por ter o mundo despotizado

Voltemos às trevas,
já que a luz do saber vislumbramos em bombas.
Louvemos ao corvo,
já que as brancas pombas matamos
sem reservas

Quebremos o vício
Pois por séculos certos
circulamos duvidosos.
Toquemos na chaga,
já diz o mago que sara:
falemos da ciademocra
sem dizer que a val escratiza

Criemos então a ideal,
o contrário do óbvio:
afirmemo-nos na incerteza,
aprendamos pelo paradoxo.
Percebamos que humor não é quando a desgraça é engraçada,
mas quando a piada é não fazê-la.

AllanZi – 21/10/2003

sexta-feira, 2 de março de 2007

Bolsa insábia (uma pseudo-crônica) - parte 4

link para parte 1
link para parte 2
link para parte 3

Se precisar de uma via alternativa porque abriu um buraco em São Paulo, estará escrito em letras garrafais, num cavalete fosforescente, bem no meio da pista: VIA ALTERNATIVA ->. Se uma guerra civil estiver acontecendo na porta da sua casa, olha, algo me diz que você saberá com mais rapidez do que a agência Reuters poderia sonhar. Se morrer o presidente, ora, tem o vice: quando votou, lembra que tinha um vice? Ah, mas nenhum voto seu valeu muito mesmo, estão lá no poder do município, do Estado e do País caras que você adora odiar. Isso sem falar dos vereadores, senadores e deputados, que você nunca teve muita preocupação em saber quem eram. O terrorismo... já falei disso neste mesmo blog, mas vale ressaltar: mais um nome para você ficar contra quem os EUA querem que você fique. Meu Deus do Céu! A bolsa caiu! E o que você vai fazer? Será que conseguirá trabalhar duro o suficiente para reverter a situação e finalmente conquistar a bonança capitalista aguardada há mais de duzentos anos?

A comunicação é muito mais ou muito menos do que a gente pensa. Muito mais por ser o que nos faz humanos, seres ultra-comunicativos que baseiam nesse processo de troca de informações toda a sua existência civilizada. A comunicação estimula, dia-após-dia, nossas idéias e sentimentos sobre o mundo que nos cerca, ajuda a construir nosso aprendizado desde muito cedo, une e separa pessoas e grupos, inicia a guerra, promove a paz... Agora, se você acha que o objeto criticado até agora foi a comunicação, adicione mais uma palavra: comunicação de massa. Essa é muito menos, essa sim, tenho dispensado. Nessa era da informação, que já deve até ter acabado e ninguém me avisou, tem mais valor até o tipo de comunicação de massa que fazem blogueiros, podcasters e fanzineiros por aí... todos são formadores de opinião em potencial e pode ser um caminho muito mais interessante do que a disputa pelo controle de mentes do jornalismo diário, esse sanduíche com recheio de publicidade que só serve para encher os bolsos de Cidadãos Kane da vida.

Pode ser que nem todos liguem para a bolsa chinesa, mas tenho certeza que os chineses entendem mais de comunicação do que os americanos... só estão esperando o momento certo para dar uma investida esmagadora e tomar o mundo de assalto, à maneira deles, quietinhos. A sabedoria chinesa, meus amigos, os chineses guardam no bolso, não na bolsa. Vão deixar qualquer trombadinha levar um Confúcio, assim, de bandeja? Penso que se o novo mercado dominante será ou já é o chinês, é apenas um novo mercado dominante. A cultura que domina ainda é a americana, a comunicação que rola é a estadunidense, a comida que você come ainda é yankee e o imediatismo comunicativo que você se obriga a acompanhar roendo os dentes é só mais um dos ecos do "new journalism", que teve ótimos expoentes e boas intenções, mas feneceu diante da globalismelação que nos assola. Se a manchete fosse: "A bolsa da China estourou", ao menos eu saberia que ia nascer uma porrada de chinês!

Trilha sonora de hoje: Parabolicamará, do genial Gilberto Gil. Pensem dele o que quiserem... mas ouçam. Xi, não lembrei o nome do "cara"... paciência!

Bolsa insábia (uma pseudo-crônica) - parte 3

link para parte 1
link para parte 2

Daquele vendaval de descoberta e sensação de capacidade ilimitada para a absorção do saber, felizmente, ainda guardo um sopro. Hoje, porém, trato de selecionar minimamente os escritos sobre os quais pousar os olhos, ainda que não seja um bibliófilo tão dedicado quanto gostaria. Escolho com certa reserva meus filmes, as músicas que ouço... Mas escolhi não ter de escolher mais entre notícias idênticas umas às outras, aboli telejornais do meu sofá teledormível, interneto quando muito a procurar bugigangas musicais, mas o jornalismo diário, mandei às favas. Mesmo com essa amostragem besta que fiz acima, já deu para perceber o nível de influência que a bolsa da China teve na minha rotina. Zero. Assim como se alterou muito pouco meu estado de espírito quando amigos meus indignavam-se com o estadismo populista dos temíveis países sul-americanos, liderados por homens que sabem ter o povo do lado deles. Tenha santa paciência! Acham ruim privatizar, acham ruim estatizar... Tentem ficar um dia sem ver o Jornal Nacional que terão uma opinião mais decente.

É como aquelas enquetes que a Globo obviamente nunca mostraria, mas que vi também na TV-Cabeça, que perguntava aos transeuntes: "Você é bem informado"? A resposta era na lata: "Craro! Vejo a Grobo todo dia". Já em outro documentário que não vou lembrar o tema e nem em qual emissora assisti, uma família paulistana da periferia era mostrada no aconchego do lar. Primeiro novela, e os semblantes iam mudando conforme a tensão das cenas crescia ou amainava. Depois Jornal Nacional. Ares sérios, todos compenetrados e claramente esforçados em compreender aquela enxurrada de informação. O Homer do Bonner (o William uma vez disse que o telespectador para quem ele edita o jornal é o Homer Simpson) não é tão Homer assim, já que este nem esquentaria a cabeça em tentar compreender com um rosto grave o que diabos quer dizer a queda da bolsa de valores na China para sua vida medíocre. Ele só iria à geladeira pegar mais uma cerveja.

Ó, sábios macro-micro-economistas, ó poderosos CEOs, CFOs, marketingueiros e dinheiristas de plantão, podem vir! Descarreguem o verbo a tentar me convencer da importância da bolsa da China no meu cotidiano. Algum preço vai subir? Eles sobem por muito menos e não posso impedir. Meu salário? Não estou empregado, só frilando. Meu possível novo emprego? Qualquer negócio da China serve. Preciso estar atualizado para me dar bem no mercado de trabalho, hum, é verdade... Segredo: mesmo quando estava exercendo o jornalismo em todo seu esplendor, eu já ignorava os noticiários e, mesmo assim, recebia uns "parabéns" aqui e acolá, por minhas matérias. Os boletins minuto-a-minuto acabavam sendo meus colegas que, pasmos, não acreditavam que eu não soubesse da última. No entanto, quando muito, estes extraíam de mim um "olha só, que coisa", e me faziam lembrar de levar um guarda-chuva no dia seguinte.

(continua)

Bolsa insábia (uma pseudo-crônica) - parte 2

link para parte 1

O importante é que Jorge da Cunha Lima atingiu um ponto-chave, mesmo ele lá com sua tentativa visivelmente esmerada de mostrar quão podre é o mundinho da comunicação e do capitalismo, em torno do qual ele mesmo orbita: ao mencionar a pasteurização das primeiras páginas dos grandes jornais brasileiros (a exposição das capas foi realmente embasbacante, é tudo igual!), ele citou outros tantos acontecimentos contemporâneos à publicação das tais capas, muito mais urgentes, alarmantes, mas que sequer recebiam notas de três linhas no jornal. E não é nem por aí. Aonde quero chegar é para que serve, de fato, a notícia, em nosso dia-a-dia? Como jornalistóide que sou, arrisco afirmar: muito pouco.

Atualmente, sem muito esforço, faço mais ou menos o que o "cara" supracitado fazia. Diferentemente dos tempos em que devorava as páginas internacionais e de cultura, hoje mal petisco as principais manchetes, que tanto apavoram meu apavorado avô. Enchentes, assassinatos, escândalos públicos, testes nucleares, terrorismo... Para o diabo! Um resumo, digamos, quinzenal, que obtenho na internet, tem bastado. Quando não é mensal (o tal do mensalão não funciona com a mesma periodicidade?). Que horror, não? Tudo bem, não fui ao extremo do "cara", mas até que estou bem desligado, vai... Pois então vamos ver o que esse notório ou noticioso suicídio causou à minha pobre alma alienada, pela amostragem de dois dias:

Quarta, 28 de fevereiro de 2007

Fui chamado para trabalhar como revisor free-lancer em uma editora. Tomei café e, sem querer, dei aquela passadinha pelas manchetes daquela coisa larga, chata e delgada de S. Paulo. "Queda na bolsa da China blablabla o mundo". Puxa. Peguei o ônibus, fui ao lugar X. Editora, cubículos, gente estranha. Mesa vazia, um dicionário, uma caneta vermelha e um monte de textos de uma revista. Opa, revista = periódico! Mas calma lá, é "comunicação dirigida", só "matérias frias", para usar os primeiros e últimos detestáveis jargões jornalísticos desta blogagem. Sem computador! E a bolsa da China, como será que anda? Ali, na hora, eu não teria como saber. Revisei. Afinal, preciso comer!

Falando nisso, hora do almoço. Pelo menos parece ser, todo mundo saiu sem me dirigir um pio, então imaginei que o "frila" também pudesse se alimentar. Fui a uma lanchonete/prato feito dos cheirosos arredores do Largo da Batata. Vitamina mista boa, X-burguer ruim. Será que é reflexo da bolsa da China? Engoli. Fumei um cigarro pensando no pacote xing-ling. Voltei. Revisei.

Fim do expediente, ônibus digno da população da China! Será que esses sino-brasileiros estão sabendo da bolsa? Acho que era por isso que estavam todos suando. Suei, cheguei. Não fui saber do saco chinês, pois estava com o saco já bem cheio, a ponto de cair. Tomei banho, comi, dormi.

Quinta, 28 de fevereiro de 2007

Idem (com exceção do X-burger. Pedi o X-salada. Ruim. Que burrice! O feijão com Velho Barreiro dos pedreiros parecia melhor. Será que eles sabem da bolsa? Deve ser por isso que se distraíam falando do Corinthians, e olha que eu sou corintiano).

(continua)

Bolsa insábia (uma pseudo-crônca) - parte 1

Certa noite, em meados do delicioso período de quatro anos da faculdade (sim, eles se vão, por mais que pareçam eternos) de jornalismo, cheguei tarde em casa, justo na hora de assistir ao programa de uma série da TV Cultura chamada "Grandes Cursos Cultura", que, coincidência ou não, era apoiado pela universidade em que eu estudava. O projeto envolvia professores renomados, brasileiros e estrangeiros, que discorriam em frente à platéia e às câmeras sobre diversos assuntos contemporâneos, relevantes, na maioria dos casos.

Nesses bons tempos, em que a tal instituição particular de grande porte ainda esboçava algum esforço no sentido cultural e não meramente marketeiro, eu me sentia uma esponja para o conhecimento: buscava, com a perícia de um detetive, unir todas as pontas de citações feitas pelos meus professores, encontrava textos raros na internet, bisbliotecava filósofos franceses e alemães, fotocopiava os artigos mais insignificantes de especialistas em semiótica e cultura brasileira, poetas, modernistas e moderninhos, concretistas e empreiteiros da palavra.

Essa grande torrente de idéias se estendia também para outros campos da arte, o cinema, a pintura, a música... Tudo o que parecesse "diferente" era comigo mesmo! Como trabalhava pouco, respirar filosofia, dormir ciência e sonhar arte era a mais bela forma de transformar dias cacofônicos em noites cervejadas de harmonia. As discussões eram festas dionisíacas, as viagens de ônibus, estudos de sociologia e as idas ao bar da faculdade chegavam a ser verdadeiras jornadas atropológicas. Como era bom viver para observar!

Pois não é que o programa dessa emissora pública, que se diz comprometida com a sociedade e com isso atrai nerds, "alternativos" e esquerdistas de botequim, aguçou ainda mais a mente deste ávido ex-estudante? O palestrante era Jorge da Cunha Lima, ex-presidente da TV em questão, jornalista, poeta e sei lá mais o quê, e o tema da palestra: A Pauta Esquecida. Composta dos subtemas Primeira Página / O Fim do Emprego / Fim das Cidades, a exposição falava basicamente de novos paradigmas aos quais temos de nos adaptar, pois na verdade o bicho já está pegando.

Interessantes que sejam os outros "atos" da aula, o "Primeira Página" chamou especialmente minha atenção. Em dado momento, o professor citou o caso curioso de um cara que recebia o jornal todos os dias e guardava os exemplares por seis meses, para depois lê-los de uma só vez. Para ele, não fazia muita diferença. Tá bom, sei que enrolar esse texto até aqui para falar de "um cara" não estava no meu cálculo, mas não há nada no mundo que me faça lembrar o nome do sujeito, só comprando o DVD pela pechincha de 60 reais na internet. Deixarei isso muito discretamente de lado, quem sabe vem à mente.

(continua... acima... não gosto desse lance blogueiro às avessas)