quinta-feira, 27 de março de 2008

Arte, mudarte, fugarte

A vontade que eu tenho é de mudar o mundo dentro da cabeça das pessoas, sejam elas quantas forem, não por uma vaidade minha, mas por um mero senso de justiça: todos devem ter ao menos a chance de pensar diferente uma vez na vida; e a arte serve, entre muitas coisas, para fazer cair o véu do mundo-máquina em que vivemos e mostrar suas engrenagens, ou ao menos emaranhar seu próprio véu com este, dando outra cor ou nuance àquilo que se vê através. Assim como é possível pichar o anúncio de um produto qualquer exposto na cidade, também se pode bagunçar mensagens grudadas em cérebros já tão bombardeados por propagandas, que compõem uma realidade pronta, objetiva, com a utilidade única de manter as coisas como estão: nós nascemos, trabalhamos, compramos, reproduzimo-nos e morremos. É para mostrar que há diversas dimensões a serem exploradas dentro deste período chamado vida que a arte serve, uma contribuição perceptiva de um ser a outro, algo que se passa adiante como um achado inestimável. "Olha só o que eu descobri, o que você acha?", talvez seja o início do simples, até simplório diálogo que a arte, ou melhor, o artista, quer travar. Muitos tentam, mas discutir a arte em patamares de extrema complexidade científica só faz afastá-la de quem poderia realmente ter acesso a ela, gostar, beneficiar-se dela. Não é que todos os estudos "sérios" a respeito sejam pura masturbação acadêmica, embora muitos o sejam, assim como este aqui é um onanimso não-acadêmico burguês-digital, mas o agente da arte, a pessoa que a descobre ou cria pode ser qualquer um, e aí é que está... Não é preciso ser doutor, rico, pobre, sonhador, hippie, yuppie... Todos podem destacar da realidade um aspecto novo, ou mesmo repetido, mas apresentado de maneira íntima, pessoal, escancarada, tímida, grotesca, bela, apavorante, apaixonante, triste, dolorosa, superficial, clara, escura, violenta, sangrenta, pacífica, desastrosa, fenomenal... É tudo o que pode alterar o olhar e conectá-lo ao sentimento, algo que é de fato uma revolução em tempo de completa banalidade e indiferença, quando ou não se sente nada em relação a nada, ou sente-se exatamente o que se está programado para sentir. Eu gosto de gostar da arte com reserva e assim o faço ao fazê-la, quando acho que a faço, e quero achar. Arte é toda obra que nos propomos a executar, mas faço um único porém: não é tudo o que obramos.

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P.S.: O post abaixo está se sentindo tão solitário...

segunda-feira, 24 de março de 2008

Minha Cara

O homem encanta
procura belezas

Estão por aí...

Balões a inflar
flutuam etéreos

Concebem vazio

Aceita a sorte
a presenteia
e força a bênção
corpo adentro

Expele um milagre

Não queira ser minha
amei-te operária
abelha rainha

A dor não é minha
terá sua cara
abelha rainha

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Aos meus caros desleitores, informo que farei o possível para encontrar novo site hospedeiro de arquivos para continuar a compartilhá-los convosco, visto que o Rapidshare mostrou-se rápido também em apagar o que eu ponho lá, conforme o tempo passa. Na pior das hipóteses, renovarei certos arquivos transmitidos por este blog que hoje encontram-se "caducos". Enquanto isso, para acesso imediato, aqui vai uma música de Smoke City, agradável e tranqüila surpresa aos ouvidos: Numbers - Interlude No. 1. Em seguida, algo das minhas próprias e humildes experimentações eletrônicas:
Ask Frequently.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Chomskyando Bêbado

Noam Chomsky

Não tenho nem tive muitos amigos "revolucionários", aqueles que estão afim de mudar o mundo e essa balela toda. Dos poucos que tive, hoje são todos bastante críticos de seus próprios discursos anteriores, pois agora acreditam ser necessário aceitar o capitalismo como o único sistema econômico possível e que o mesmo permite a democracia como organização política e social. Bom para eles, não é mesmo? Agora que já aprenderam técnicas eficientes de puxar o saco de seus empregadores, com afinco e até algum prazer em averiguar a elasticidade das respectivas bolsas escrotais, é melhor deixar os pensamentos alternativos para amigos perdedores como eu, esses que não se fixam em lugar nenhum, nunca sabem o que querem da vida, dados às artes e outras bobagens afins. Pois quem sabe até alguns desses meus amigos, vencedores no cume da escalada social, já tenham seus próprios negócios e aprenderam a ter gente pendurada em suas partes baixas, e admito que deve ser mais prazeroso - esses não querem nem contato com amigos da minha estirpe, pois vai que a gente pede emprego, e ninguém quer gente chegada num "livre pensamento" trabalhando para si, não é? Só traz problemas.

Não estou destilando ressentimento não, na verdade eu não consigo nem nomear a maioria desses amigos, são só algumas sombras distantes... Dá uma ligeira tristeza por estar sozinho, apenas, ter sido aos poucos "abandonado", de certa forma. E não é essa solidão globalizada que está na moda por aí não, individualidade ouvindo iPod ou falando com um celular que te responde, você nem precisar ligar para ninguém... é um sentimento de SOLIDÃO por ainda não estar tão entorpecido a ponto de não enxergar mais a maneira como as pessoas se tratam por causa do dinheiro. Aqueles mesmos caras cujas histórias lemos em livros ou vemos na televisão, que guardaram centavinho por centavinho, começaram de baixo, de office-boys, e hoje são multi-milionários, vão ver como tratam seus funcionários... saiu da linha, rua. Aliás, eles têm outras empresas terceirizadas só para fazer isso, não é preciso mais cansar o músculo do próprio dedo para apontá-lo à porta. É a lei da selva moderna, ora, eu já devia estar acostumado... Mas o problema é que não estou, e toda vez que vejo alguém se humilhar em troca de migalhas, penso que o nojo que a maioria das pessoas tem pelos mendigos é em si um auto-asco, pois lembra o quanto nos curvamos diariamente, de mão estendida, servilmente, esperando o tilintar de um par de dobrões.

Os meus ex-amigos devem estar orgulhosos de serem agora homens/mulheres feitos(as), deixaram para trás essas preocupações histéricas e infantis, o lance é se garantir e acabou. Mas penso que a gradual aceitação do statu quo não é exatamente o processo natural de transformação de adolescente em adulto, mas a vitória gradual, no entanto certa, dos defensores ocultos desse mesmo estado imutável das coisas. Esse defensor é oculto não porque trata-se de um membro d'alguma sociedade secreta (nada impede que o seja) ou influenciador político, como integrante de máfias ou grupos corporativos obscuros, não necessariamente... Esse defensor é o seu próximo, é você mesmo, é seu familiar, seu amigo, o ator da televisão, o cobrador de ônibus, por isso ele se funde à massa e passa a ser um agente interno, quase sempre foi. Tudo isso a um ponto que poderíamos chamar essa defesa ferrenha e eficaz do capitalismo de epidemia, uma brilhantemente desenhada, mas desenvolvida aos poucos, conforme os eventos mundiais foram tomando lugar na história, os conflitos viraram história, as atrocidades também, e nossas mentes absorveram uma onda de banalização que talvez tenha sido promovida pela ilusão de riqueza que se teve e se tem hoje. Dessa maneira, tudo se justifica pela aquisição de bens materiais, pela geração de lucro, o que é em sua raiz a exploração e apoderação sem limites dos recursos naturais do planeta.

Em nossa realidade, o dinheiro é apenas o símbolo de algo que devemos conquistar, mas na verdade já temos absolutamente tudo o que o dinheiro jamais gerado em toda a história da humanidade poderia comprar. Porém, a idéia é justamente manter essa ilusão viva, enquanto a lógica da competição, ou concorrência, permeia todas as esferas das relações humanas e mesmo do homem com seu meio, pois seria muito ingênuo imaginar que a disputa incentivada pelo livre mercado para controlar a economia mundial reservar-se-ía à esfera dos negócios... Ela se difunde entre os seres humanos de tal forma que o comportamento violentamente competitivo no local de trabalho, na rua, na escola, nos estabelecimentos em geral, no lar, torna-se normal aos nossos olhos, quando a verdade é que estamos institucionalizando o que há de pior na espécie. Podemos, em vez disso, trabalhar outros aspectos que nos são igualmente inerentes, como a cooperação, a comunicação, o trabalho conjunto, tudo o que pode viabilizar a criação da(s) verdadeira(s) comunidade(s), palavra hoje desmoralizada pelo "fracasso" do comunismo como Estado (sendo que este nunca existiu de fato), mas uma palavra que na verdade significa a união pelo que nos é comum, comunhão, concordância, concerto... harmonia.

É igualmente fácil aceitar apenas a idéia de que nossos instintos violentos falam mais alto e mesmo que conseguíssemos construir uma sociedade igualitária ela seria rapidamente suprimida pela sanha de poder "natural" que temos. Ora, pensando assim, o conjunto de instintos que devemos controlar diariamente para manter a sociedade capitalista funcionando seria inviável, impossível, ridículo, impensável, e não obstante o fazemos: obedecemos a regras, não são todos que o fazem, mas certamente uma grande parte, e principalmente as regras que comprovadamente evitam problemas graves da vida em sociedade, do rápido progresso tecnlógico, da organização do trabalho, da distribuição de renda, dos transportes, etc. Convivemos com tudo isso criando soluções inteligentes, e então por que razão não poderíamos desenvolver aos poucos um novo conjunto de regras que nos permitiriam viver nessa aparentemente utópica sociedade igualitária, evitando que nossos instintos perfeitamente controláveis impedissem seu desmantelamento, impedissem o surgimento de autoridades psicopatas, de ganância opulenta, de preconceito, de violência, escravidão, e todos os males que aprendemos a acreditar fazerem parte da "normalidade"? Infelizmente, meus amigos agora chefes continuam colocando mais combustível nessa máquina, e se faltar "material humano", eles não hesitariam em mandar alguém me jogar lá. Você também. E toda essa arquitetura destrutiva serve para colocar poder na mão de um punhado de gente.

Portanto, meu apelo aos leitores inexistentes é que tenham discernimento sobre o "mundo de informação" que absorvem. Isso parece maravilhoso, mas a informação acessível a você só o é porque precisam que você deseje comprar, não só produtos, mas estilos de vida, os mesmos estilos de vida que levam ultimamente todos a pensar que subjugar o próximo para ganhar dinheiro é correto, que o valor de um ser humano é definido por suas posses. Desliguem a tevê ao menos durante o comercial! Se puderem fazê-lo durante a novela, melhor ainda, se perceberem que não precisam da tv, perfeito. Não é que a transmissão de imagens via ondas, cabo, fibra ótica seja ruim, mas o conteúdo disso só tem servido para manter funcionando essa "ordem" sangrenta que acabo de descrever, que podemos ver diante de nós todo santo dia! Abram os olhos: isso serve para a grande maioria dos veículos de comunicação... Por favor, aprendam a pensar por conta própria, eu detestaria escrever sobre vocês em alguns anos, criticando-os da mesma forma que agora tenho que fazer com ex-amigos, para esquecer que os tive, pois eles já se esqueceram há tempo.

Ando abatido e deprimido com tudo isso, mas creio ser apenas um processo necessário de desilusão, de convalescência da epidemia de sandices bombardeadas em meu cérebro por 25 anos, processo de desintoxicação, desapego de um vício, reabilitação. Eu não diria que é um despertar pois tenho quase certeza que isso já aconteceu, mas no curso da vida, em uma analogia com a duração de um dia, agora é o momento de sair daquele estado sonolento em que ainda se está esfregando os olhos para ter certeza de que aquilo que vemos é a realidade. É nesse momento que devemos tentar lembrar o que sonhamos.

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Provavelmente ainda revisitarei o tema pois tenho uma porrada de coisas para falar a respeito, filmes e leituras a indicar, algo mais sério e "científico", mas admito estar com certa preguiça agora, apenas joguei aí um desabafo confuso. Aguardem talvez uma parte 2, caros desleitores. Abaixo, vídeo estático, só para ouvir, do sensacional Fela Kuti, cuja referência wiki não vou colocar aqui pois a que encontrei em português é muito ruim. Basta saber que este nigeriano cantava de maneira muito visceral tudo o que quero dizer aqui, mesmo que esse inglês enrolado seja difícil de entender. É um gênio libertador africano, e para compreender basta apreciar a força de sua música, nada mais. "I not be gentleman at all. I be africa man, original".

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