terça-feira, 17 de julho de 2007

O Antibundismo

“Não pise na grama”, lia eu aos 7 anos de idade, acreditando ter encontrado pela primeira vez uma norma que fazia sentido. Sim, pois até ali meu pequeno cérebro havia registrado apenas proibições de estacionamento ou relacionadas a falar palavrões e comer doces antes das refeições oficiais. Digo registrado, porque a assimilação tomou-me mais tempo, e assimilar o que a civilização nos sinaliza provavelmente toma muito tempo de todos nós.

Não pisar na grama era-me lógico por questões meramente estéticas. O gramado estava bonito, bem cuidado, os arbustos verdejavam e suas folhas guardavam ainda pingentes de orvalho que brilhavam à luz matutina. Já naquela época eu sabia que a minha presença em determinados lugares causava danos, mesmo que não me fosse chamada a atenção muitas vezes para não sujar isso ou não correr sobre aquilo – fui uma criança comportada.

Passados alguns anos, não foi muito difícil compreender que, acima de tudo, inclusive da segurança, sinalizações servem para manter a “ordem” e proteger a propriedade de alguém. Hoje, para mim, a grama do vizinho é sempre um tanto mais amarelada, por verdes que sejam os pensamentos e intenções do sujeito, pois descobri que só protegemos o que nos custa dinheiro, não o que nos pode custar a vida quando perdemos, como a flora.

Já me afastando de questões ambientais, pois não teria argumentos ecologicamente corretos o suficiente, volto-me a uma observação do tempo presente, eu já com um cérebro um tanto maior (mesmo que este não seja capaz de produzir raciocínios mais interessantes que os de uma criança), no meu ofício fixamente temporário de revisor, parado no andar térreo do prédio, esperando sei lá o quê, sempre tenho que esperar alguém para conseguir trabalhar.

Resolvi fumar um cigarro (já falei que minha ecologia e minha naturebisse não serviriam de nada?), como ali já havia feito tantas vezes, e qual não foi minha surpresa ao ver que as muretas ao redor dos jardinetes da entrada do edifício estavam agora equipadas com lanças de aço por toda sua extensão? Vejam bem, a boa e velha placa que diz “Pedimos o favor não sentar ao redor da grama. Obrigado.” ainda estava lá! Esta, eu nunca contestei.

Ainda que o novo aparato não evite que dezenas de bitucas sejam arremessadas sobre os belos pequenos jardins (a vontade de fazer o mesmo era imensa, mas algo de ambientalista em mim não permitiu), ele garante, sem sombra de dúvida, que nenhuma pessoa em sã consciência se sente sobre a mureta! Fiquei abismado. E olha que não costumo falar do quão abismado fico a respeito de coisa alguma, em meus textos.

Sim, a presença das pessoas faz estrago, mas não como a minha faria àqueles gramados verdejantes de outrora, e sim de uma maneira geral e irrestrita. E não satisfeitas com agredir o ambiente, fazem-no também com nossa inteligência. Recuso-me terminantemente a discutir a utilidade do dispositivo ou o nível de prejuízo que um traseiro humano seria capaz causar a um jardim ou a seus muros, tamanho que justificasse o uso de armas.

Até quando vamos gastar quantidades absurdas de energia com a proteção de pequenezas? Parece-me que quanto menos alienado um homem é da produção capitalista, ou, trocando em miúdos, quanto mais poderoso e rico ele é, mais alienado se torna da realidade. Gostaria que isso fizesse sentido, mas o problema é que apenas a guarda da propriedade não é e não pode mais ser desculpa para nossas paranóias. Qual será, então, a nova desculpa?

Antecipando-me à imaginação fértil do possível leitor, meu sempre caro apreciador virtual ou inexistente... Será a violência? Mas a causa desta, ao menos na sociedade moderna, não seria justamente a propriedade privada? Pode ser, mas, estou ficando confuso... Uma Cerca Antibunda?! É essa a resposta para nossas neuroses anti-terro-vio-ultra-letas-lentas-bestas?
Não teríamos mais nada com que nos preocupar?!

Pode me xingar do que for, mas o desrespeito à inteligência é o maior crime dos últimos séculos. Pode me chamar de igualmente paranóico, neurótico, apenas porque vi uma bobagem na rua, mas se o jornal das 8 me diz que o Brasil está prosperando, e que basta continuarmos trabalhando cabisbaixos, subservientes, comprando inutilidades, indo ao shopping para celebrar o natal, que o empresário Fulano de Orleans Bragança está ajudando os pobres, que o Bush venceu o terrorismo... se o jornalista me fala tudo isso, todos os dias, com a cara mais lavada do mundo, já me deu motivo para quebrar o antigo acordo de paz com a burrice, a ignorância, a cegueira consentida.

Quando os homens realmente poderosos do mundo começaram a falar sobre democracia, direitos humanos, guerra ao terror, prevalência da paz, do bem, bem-estar geral, comida, bens, dinheiro para todos, escalada social, mais-valia, trabalho honesto, justiça, ciência, “ciclo virtuoso” (???)... quando começaram a falar disso, tudo bem. Quando disseram que era para a gente acreditar, não fazem idéia do verdadeiro estrago que causaram, e que já podemos sentir, todos os dias, sentir nosso maldito medo. Estrago muito pior do que causariam ao jardim com suas bundas, mesmo porque agora ele pode se defender sozinho... Mas, claro, com a ajuda da nova placa sinalizadora auto-explicativa: “Cuidado! Gramado bravo!”.

Ok, eu sei que foi um dos meus piores posts, mas alivie-se procurando a música de uma banda que meu amigo e leitor inexistente indicou há pouco tempo e foi uma grata supresa. Broken Social Scene. Aí embaixo vai um youtube, mas estou pensando seriamente em disponibilizar mp3 aqui. Se vai atrair mais não-leitores, não sei, mas que vai entrar gente, vai.

sábado, 7 de julho de 2007

Borges

Sonhei que sonhava comigo
e acordei terceiro
fazendo o que faço primeiro
sem nem um segundo sonhar

Que alívio saber que me invento
mas triste é pensar que repito
o nada que nada me é