segunda-feira, 29 de junho de 2015

Errâncias e extravagâncias de um minúsculo Quixote

Cândido Portinari - Dom Quixote e Sancho Pança Saindo para Suas Aventuras, 1956.
Deste arremedo de vida
o que de mim só sobrou
de uma cegueira sofrida
deste não-ser sem destino
é menos do que não sou
de entreveros intestinos
a exibir os desatinos
de matanças fratricidas.

Não sou motor nem contínuo
moto-contínuo não sou
senhor não sou nem doutor
não sou o criador desse engenho
daqui nem sei pra onde vou.

Não tenho burgo nem terras
brasão de nobre não tenho
não sou bush a fazer guerras
nem vassalo de algum rei.

Jamais fui dono de escravos
não fui, não sou, não serei
nem de mim mesmo sou dono
visto que a vida (eu suponho)
é um mero sonho num sonho

Sem negar que sou confuso
não uso ornamentos no corpo
na lapela cravo não uso
nos cascos não cravo cravos
para trotar sobre minas
de um soturno caos de agravos
das malcheirosas sentinas
desse planeta esquisito.

Moído de tanta pancada
a estiolar boiando no nada
no peito abafo meu grito
pois contra Zeus não blasfemo.

Nesse ruidoso vaivém
diante do cruel Polifemo
como Odisseus sou "Ninguém"
triste e risível figura
de minúscula estatura
a fisgar versos contritos
num oceano de detritos
sem Rocinante nem lança
sem o lhano Sancho Pança
longe dos pagos da Mancha.

o.a. 2008