terça-feira, 22 de outubro de 2013

Um dia na selva internética

Acordei bem cedo. Aliás, mal dormi. A selva da internet chama minha atenção o tempo todo, com sua flora colorida, fauna exótica e ruídos estranhos. A começar pelo cri-cri de um grilo, ao lado da minha rede, dentro da oca: as primeiras notificações do dia, antes ainda que eu me levantasse. E o grilo me segue aonde vou, grilando o que acontece na mata.

O caminho até a caçada diária beira um riacho apinhado de cardumes de notícias, rumo a um oceano de informações. No céu, revoadas de pequenos tuítes migrando sabe-se lá para onde – suas tendências são imprevisíveis. 


 Os trending topics


Chegando ao local que escolhi para caçar e obter algum sustento, fui pego de surpresa por uma chuva torrencial de e-mails. Não foi tanta surpresa assim, já que esse toró de correio eletrônico desaba mais ou menos nesse mesmo período, todos os dias. Procurei me abrigar, mas o aguaceiro era implacável. Tive que esperar passar e fiquei encharcado de pedidos e problemas.

Depois de me secar consegui, finalmente, atingir uma parcela do meu objetivo. Não abati nenhuma presa, mas ao menos colhi um cesto de frutos. Com a tarefa cumprida, relaxei e me distraí novamente, dessa vez com um grupo de macacos que macaqueavam sem parar pendurados na gigante árvore YouTube. Seus truques eram hilários e eu fiquei ali, acho, mais de uma hora assistindo.

O novo Porta dos Fundos tá imperdível, ri muito!


Terminado o espetáculo, resolvi partir em busca de algo mais substancial para levar à minha família. Foi quando me deparei com a monumental parede de pedra Facebook, onde todas as tribos da região gravam tudo o que lhes acontece. Tudo mesmo. Do que comeram de manhã até um mosquito que os perturbou. Li tudo, hipnotizado, e gravei com uma estaca a pequena história do meu dia até ali. 


 Tradução para o português: “hj meu dia foi fda e talz kkkkkkk!”


A próxima trilha ia por terrenos irregulares e lamacentos, mas que, depois de algumas webs de aranha pegajosas, davam em uma bela clareira. Não menos belas eram as amazonas seminuas me convidando para ver mais, uma tentação quase incontrolável de desviar do meu caminho. A essa altura, já tinha desistido da caçada e comido todas as frutas do cesto, mas me esforcei para não ceder àqueles encantos e segui.

Já conformado em voltar de mãos abanando à oca, resolvi mandar um recado à selva inteira. Subi em uma grande pedra e postei em alto e bom som o que pensava, sem gritar, deixando que as palavras ecoassem. Disse que me sentia mal e sozinho naquela floresta bizarra. Que gostaria de conviver mais com irmãos de outras tribos, que parassem de se esconder, e que podíamos mudar isso, juntos.

Qual não foi meu espanto quando ouvi o primeiro comment envenenado passar zunindo pelo meu ouvido direito. E outro, agora do lado esquerdo. Corri o mais rápido que pude, mas um dardo de dislike acertou meu braço. Não em cheio, apenas de raspão. Os arcos e zarabatanas das tribos rivais eram brutais, e seus donos farejavam meu sangue a uma tremenda distância. 

Um comentário... Corre!


Quando me safei da ira dos guerreiros comentadores, fiz um curativo simples com folhas de likes, que aliviou a dor da ferida. Olhei em redor e as coisas haviam se aquietado um pouco. Era uma boa hora para me recolher. Aquela selva havia me deixado exausto e terrivelmente sedento por um gole que fosse de realidade pura.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013


A lua alta no céu, cheia. Eu, na Terra, capaz das maiores atrocidades. Se isso é ser lobisomem, não é justa com a metade lobo, natural e instintiva, essa violência artificialmente inocente de mim. Mem. Ho-mem. Mas seu brilho é irresistível.

Insumo


Às vezes percebo
que todos percebem
que o sumo da vida
é um breve lampejo

E tenta-se obtê-lo
retê-lo, prendê-lo
na foto, no grito
no clique, no linque

Às vezes percebo
que todos se esquecem
que o insumo da vida
supera o desejo

É o grosso de tudo
a rocha
o tecido
a farinha
é o pão que se sova com as mãos

O sumo é o insumo

E pensam sabê-lo
de estalo
sem mínimo esforço
e o vendem
dizendo compartilhar
ao ignorar a partilha
do que há de mais puro

Suor
e bagaço

terça-feira, 18 de junho de 2013

Virou o tempo em SP

Manhã de segunda-feira cinza, fria e chuvosa. Nada de novo em São Paulo, até que outro santo, São Pedro, resolveu ajudar o povo paulistano limpando bem o céu da cidade à tarde, lá para as 17h, no dia 17 de junho de 2013. Caía a noite e a multidão que tomava o Largo da Batata, em Pinheiros, pôde ver estrelas e um enxame de helicópteros que, como abelhas ávidas, mas ordeiras, sobrevoavam o local, um a um, buscando registrar a história. A HISTÓRIA! Fontes "oficiais" falam em 65 mil pessoas se movimentando a partir dali, opostas ao aumento da tarifa de ônibus, de R$ 3,00 para R$ 3,20, mas o que vi, ouvi e senti me pareceu muito mais e POR muito mais.

Foi LINDO. Mas no dia seguinte, estou aprendendo algumas duras lições. Diferentemente da Primavera Árabe, o Inverno Brasileiro mostra que a gente ainda precisa lutar para lutar. É assim: agora, todo mundo quer entrar na dança e colocar na mesa certos clamores padronizados, partidários, conservadores e pessoais, que NADA têm a ver com o que brota, verdadeiramente, das ruas. Você, amigo que esteve ontem, quinta, terça e antes ocupando a cidade, já deve ter percebido uma miríade de pessoas na sua "timeline", gente que nunca moveu uma palha para mudar nada, te dizendo direta ou indiretamente (com imagens compostas no Paint) aquilo pelo que "parece mais apropriado" que você lute. Ora.

Assim, temos que lutar para continuar lutando pelo que lutamos. A definição, o foco, o ponteiro, tudo virá disso. Mas não é simples. Muitos, milhares, milhões ainda confiam nos meios tradicionais de comunicação para obter sua informação diária. Esse é um dos grandes perigos, já que os interesses midiático-corporativos também se somam às tais vozes divergentes para apontar como "se deve" protestar. Lutaremos para que a fonte mais confiável de informação seja o próximo, o companheiro, o amigo, ao vivo ou pelas redes eletrônicas, antes que elas sejam tomadas por patrulheiros chatos.

Lutaremos também para que não haja palanques eleitoreiros misturados nessa massa. Tenho visto mesmo políticos que EU ajudei a eleger dando uma de camaradas do povo, mas isso não me engana. Outros que também nunca conseguem se eleger estão correndo para dar às mãos na ciranda - aliás, uma só mão na ciranda, a outra empunhando bandeira. Cuidado com isso e, se for para votar em algum desses no ano que vem, conheça-o muito bem.

Outra luta importante - e vou parar nessa pois, afinal, estou aprendendo devagarinho e já estou começando a soar como se desse palavras de ordem (não é minha intenção) - é para evitar que saiamos disso tudo com a imagem de "rebeldes sem causa". Uma: não vamos "sair" disso, já que o processo apenas teve início. É mesmo um despertar, o abandono da inércia que uma infinidade de pessoas que vejo e ouço, ainda, entre uma garfada e outra no restaurante barato por quilo, sustentam em situação de conforto: "Deviam é ter protestado no mensalão... quando fomos escolhidos para a Copa... quando isso, se aquilo..." Chega! Encontraremos nosso Norte. Duas: causa temos sim! Não é suficiente estar inquieto e infeliz com a vida que se vive na cidade, em tantos sentidos?

De qualquer forma, só o que me parece ser legítimo, mesmo, genuíno, por mais "difuso" que os almofadinhas digam ser, é o que é dito nas ruas. Deixo aqui o meu apelo: rejeitem o que se tem falado no jornal, na TV, no Twitter e no Facebook e VÃO ÀS RUAS ouvir cada um dos clamores dessa "gente perdida". Lá, você vai encontrar a SUA voz e todas elas crescerão em uníssono, com cada vez menos violência, mais consciência e união. Não deem ouvidos ao colega reaça de trabalho que prefere "cuidar da sua própria vida" em vez de "fazer baderna". Estamos cuidando de nossas vidas, sim, tomando as rédeas dela, pela primeira vez.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

O cassetete invisível



Olhos abertos, sem querer que estejam. Dispara, no pulmão, a respiração curtinha; no coração, o aperto se aperta; na garanta, um nó cego. Tem início o dia do cidadão de bem, feliz por poder ir e vir durante horas no trânsito lento de luzinhas vermelhas, ter a chance de comprar bugigangas na sexta-feira negra, por desfrutar das virtudes culturais coloridas de uma metrópole cinza. Ele está feliz por ter um emprego de 8, 9, 10 horas diárias onde pode ser verdadeiramente falso e distribuir alegremente sorrisos amarelos, que, por entre os dentes, dizem baixinho, sem alarde: "socorro". 

O habitante da cidade está tranquilo: já tomou a pílula de hoje no café, enquanto passava a mão na cabeça do filho pequeno, dizendo "comporte-se, tenha juízo, seja bonzinho". É tudo o que ele sabe ensinar. É tudo o que aprendeu. E parte para o dia sem medo de ter medo, olhando para os lados, prevenido contra o outro e tudo o que pareça estranho, ainda que seja o próprio espelho. "Está tudo bem, mas é bom ficar esperto", pensa.

As cobranças são naturais para esse ser civilizado, ele tem que ficar de olho na meta. É o pão que dela depende. Ele tem um alvo a atingir, mas também um pintado na testa. Esse ele nunca vê. Não precisa, afinal, é só não se virar, nem se levantar, ficar abaixadinho, mesmo, aqui atrás da divisória do cubículo, que tudo fica em paz. Não está na mira, nem atira, não fica no meio do que não lhe pertence, enquanto se apropriam de tudo o que poderia ser seu e de todos.

Volta pra casa, sua propriedade, e passa um tempão com a família, o que já é uma tradição: 2 horas. Depois de um banho morno e um beijinho na esposa, dorme o sono dos justos, não sem antes dar um traguinho rápido, ainda que desesperado, em um álcool qualquer. É só pra não tomar duas pilulinhas em um dia. Está relaxado, mas seu pesado sono não tem sonhos. Pesadelos também não tem, mas ele sabe que, se não mantiver religiosamente essa rotina, ele pode vir. E ele vem: olhos abertos, sem querer que estejam.

Quem se revoltaria contra uma vida tão indevida? 

Quem ousaria se levantar pra por o dedo na ferida? 

Quem se importaria em mudar quando a inércia é a medida?

Você e eu.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Bad times


Bad times when we killed for food
when we killed each other out of greed
envy or...

Bad times when we did nothing but point
point, point our fingers at the scars
moles and...

Bad times when we summoned money
with its power to put things over
over...

Life

Good times are now
that we no longer need to battle
for the space to be

When are we now?

terça-feira, 21 de maio de 2013

Encontre o sujeito

O criminoso mata
a sociedade clama
o governo omite

O pobre rouba
o menor é cúmplice
a justiça é cega

O preto folga
o veado esnoba
a mulher que manda

O mercado exige
a gentalha grita
a arma cala

O Éden me chama
o inferno é dos outros
o dinheiro é meu

Onde está esse sujeito
que apontando
sem um verbo
nada faz?


O sujeito não se encontra
não se enxerga
não se vê

Representa-lhe o indeterminado
fica à mercê do oculto
e o simples que se dane
ou sujeite-se pra merecer

Antes fosse observador
está mais pra inexistente
mas presente no discurso
de um tempo virtual
e perigosamente
distante

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Não é a mamãe


Ser pai é foda. Nos dois sentidos. Só é menos foda, em ambos, quando o cara insiste em imitar o pai que foi seu avô ou bisavô: provedor distante, incapaz de afeto, filhopata sentado à ponta da mesa de jantar ordenando que lhe "passem as batatas". No mais, ser pai, principalmente de um bebê, é muito foda, e não tem mais lugar praquele tipo de figura paterna arcaica, a que deu vulto ao execrável patriarcado – tiozão que não sabe trocar uma fralda. Hoje, a gente tem mesmo que se desdobrar para aprender um monte de coisas que ninguém fez questão de nos ensinar, já que tem muita mãe machista por aí que prepara os filhotes na escola da tirania. Não foi o meu caso, mas os ecos disso tão por aí, na novela, na propaganda, nos Felicianos do Brasil. Não vem ao caso.

Mas também não é o caso do extremo oposto. Juro que fiquei tentado a ser esse pai fofíssimo da leva new wave de pais que, desculpem, só existem nos contos de fada hipsters: querem ser mães, dizem-se quase mães, sentem-se como um bizarro protótipo de mãe sem peito para aleitar. Mas não são! Você tem a sua cotinha de dar conforto, de aliviar uma cólica ou outra, de fazer dormir um dia aqui, outro ali. São todas pequenas conquistas que nos fazem pensar: "Porra, sou foda!" Ser pai é foda, mas você não é, não. A mãe é. Esses momentos mágicos só vão rolar quando o pimpolho ou pimpolha estiver nas últimas forças, sem energia sequer pra fazer o que sabe melhor: dizer, com seu corpo, gestos e choro que "não é a mamãe". 

É, amigo, acostume-se, pois você não é mesmo! É pai! Eu me senti meio fora da brincadeira, que de brincadeira não tem nada, nos primeiros meses. Por mais que eu quisesse me mostrar ali, disposto, “vamo que vamo”, é a companheira que resolve a maioria dos perrengues diretos com o bichinho. Afinal, ele quer estar muito mais em contato com aquela deusa maravilhosa que o gerou, não com esse maluco peludo! Você vai fazer compressa e mamadeira no meio da noite, sim, vai correr pra comprar papinha no mercado, dar uns banhos catastróficos e fazer uns rolês impensáveis no decorrer do percurso. Mas aquele milagrinho berra pela sua progenitora, sempre!

E não me venham com essa de "pai grávido". Ainda que eu curta alguns posts do blog de um famoso pai X-Men, autor de um livro que descreve um pouco o conceito mencionado, não é assim que acontece na maioria dos casos. Pode ter um ou outro que passe mal durante a gravidez (da companheira), mas há grandes chances de ser só ansiedade. Eu passei mal de tanta dor nas costas, mas tenho certeza que a minha esposa teve muito mais disso do que eu.

Não tô aqui impedindo ninguém de ser fofo, só que isso vai soar meio falso, às vezes, não natural. Agora, ser carinhoso, terno e bondoso com o seu filho, não é opção, é obrigação! Mas é nesse momento que a gente aprende a não esperar nada em troca, já que, quando a chapa esquentar, o nenê quer é mamar. E não pense que esse lance de ser pai 2.0 (3.0? Onde estamos, mesmo, nessa contagem?), consciente do seu lugar na criação da cria, tem muitas regalias. Lembra que a gente abriu mão de ser aquele Darth Vader, em uma galáxia muito, muito distante? Pois bem, agora você tá sempre tão próximo que vai ouvir um monte se resolver tomar aquela cervejinha com "os caras" e passar um pouco da hora. Experimenta!

Acabei de ir lá fazer uma inalação no garoto. O Pedro tem 11 meses e só agora eu sinto que a nossa conexão tá começando a acontecer. Ele sorri quando eu chego em casa e gosta de me ouvir tocar violão, dançando, todo animado. As viradas de tempo são cruéis com os bebês e o peito dele tá com um gatinho miando de novo. Mas adivinha quem tava lá, fazendo ele dormir e dormindo junto, de tão cansada? A mamãe. A Thaís é a melhor companheira do mundo, é claro, e eu sou seu aprendiz na jornada que é o crescimento do Pedrinho. No fim das contas, você não é pai: vai se tornando, bem devagarinho, como um útero externo de onde se estende um novo cordão, invisível. Eu não tenho um útero de verdade, então, pro meu pequeno me conhecer por dentro, ele precisa que eu me mostre, assim mesmo, toscão, verdadeiro, do mesmo jeito que eu virei marido. Ser marido é foda. Mas esse já é outro papo.

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Allan Zaarour é jornalista, músico e blogueiro ocasional. Pai do Pedro e marido da Thaís, vai aprendendo com os tropeços e escrevendo sobre eles.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Religare

Este post será bem direto e reto. O caro desleitor já deve ter se confrontado com as seguintes questões: "Você tem religião?/Você foi batizado?" "Você acredita em Deus?" "Você acredita em quê?" - e assim por diante, o que, conforme a resposta, vem acompanhado de certas expressões faciais de aprovação/desaprovação, surpresa, estranheza, etc. Afinal, vemos o outro pelo filtro de nossas ideias, crenças e descrenças, e a coisa fica muito mais sensível quando alguém segue determinada doutrina, culto, disciplina - algo que soa verdadeiro para aquela pessoa e que ela sente valer a pena ser seguido.

Sobre a origem da palavra, encontrei esse curto post e achei interessante.

E é só. Mas se posso apenas comentar isso, sem entrar em papos linguísticos, a "falsa etimologia" é mais legal que a explicação oficial, no fim das contas, pois a ideia de "religação" também pode ser aplicada a grupos, a um agrupamento de pessoas dentro da mesma fé. O som de "religião", para mim, sempre remeteu a "reunião".

E assim, volto para a minha primeira experiência, ou uma das primeiras, nesse campo. Tinha uns nove anos quando ia de carro com alguns amigos da mesma idade para algum lugar - ao volante, a mãe de um deles, que solta a pergunta: "E você, Allan, não vai se batizar e fazer primeira comunhão?" O tom não era exatamente de reprovação ou ameaça, mas havia gravidade nas palavras, algo de austero. A tradução disso na minha mente em desenvolvimento foi: "Ai, caramba, será que eu vou ficar sem amigos se não frequentar o 'catecismo'? Será que só eu não terei religião? Será que Deus vai me castigar?"

Esse tipo de constrangimento era comum justamente na época em que amiguinhos estavam prestes a passar pela tal da comunhão. Olhando para esses mesmos amigos hoje, uns mais, outros menos próximos de mim, vejo que esse rito católico de passagem não os tornou mais ou menos religiosos. O que observo em muitos é que o mero fato de "ser" católico parece lhes garantir uns pontos com Deus, evitando que Seu castigo recaia sobre eles, mesmo que cometam os mais variados pecados. O pensamento dessa grande maioria de cristãos "não praticantes" é, mais ou menos: "Não vou à igreja, mas fui batizado e comunguei, estou coberto, a salvo!" E parou por aí a experiência religiosa dessas pessoas: procurem o significado de comunhão no dicionário e vejam que o ritual não mudou muito suas vidas e a maneira de se relacionar com o próximo.

Outros cristãos, os evangélicos, tendem a ser muito mais ativos dentro e fora de seus grupos e a euforia com que participam das reuniões e também com que externam sua fé aos não iniciados tem se espalhado com grande velocidade pelo Brasil. Essa paixão costuma se intensificar quando são mostrados exemplos que se livraram de inúmeras mazelas por meio de milagres e outros frutos da sua crença. O estigma "crente", inclusive, é atribuído a eles sem que se pense muito a respeito, a ponto de uma criança se dizer crente apenas por que o pai o é, não tendo ainda discernimento para acreditar ou não no que dizem as escrituras sagradas. O levante evangélico tem estendido o poder de pastores à esfera política (e a um papel moralizante), mas não vou entrar nesse mérito pois esse é apenas um devaneio que vai culminar nas minhas próprias escolhas religiosas. Aguardem!

O ateísmo merece um capítulo à parte. Não sei se é apenas a minha percepção, mas noto nos diversos canais internéticos um esforço grande para consolidar o conceito do "que é ser ateu" e, mais ainda, gerar embate direto com quase todas as religiões. O ateu moderno é uma espécie de anti-Deus e anti-religião, vítima de uma sociedade cristã, mas não está atento ao fato de se aproximar do que fazem todas as religiões: unir pessoas em torno de uma crença. Afinal, é preciso acreditar na não existência de Deus, não? Passando por alguns vídeos no YouTube e fóruns que pregam o ateísmo, vê-se que há muito ceticismo e exaltação do rigor científico para explicar o mundo, e há também um tipo de paternalismo sobre as religiões. "São todos ignorantes, como crianças, precisamos mostrar a verdade, que Deus é uma farsa!" Novamente, pode ser só a minha torpe imaginação, mas me parece que essas pessoas querem justificar com a inexistência de Deus sua própria tristeza e solidão - sua "não religião", seu desligamento e desconexão. A realidade dura do dia a dia parece ser mais fácil de aceitar se for resultado apenas de reações químicas, união aleatória de moléculas e explicações afins para a vida.

Pessoas que optam por seguir religiões de origem africana sofrem certo preconceito, pois a mística envolvida nos rituais soa meio "satânica" à maioria dos cristãos. Tenho pouquíssimo conhecimento nessa área e, assim, não vou reforçar esse preconceito. A comunidade espírita, por sua vez, tem aumentado, e a presença do tema em filmes popularizou a religião; uns dizem não ser religião, assim como algumas correntes "racionalistas" e "cósmicas" exaltam a ciência e misturam tudo num grande caldeirão. Esse parágrafo foi só pra não dizer que não falei desses temas, pois me deu certa preguiça, admito.

Não sou batizado em nenhuma religião. Muitas vezes, respondi àquelas mães de amigos catequizados que minha família preferiu me dar a liberdade de escolher o que eu quisesse seguir. Assim foi! Hoje leio, assisto e ouço muitos professores e guias espirituais e não escondo ser atraído por linhas mais pro lado oriental do pensamento. Está na modinha, eu sei, ser budista e seus derivados, ir à Índia e "descobrir-se", meditar e exercitar o espírito com mantras e práticas de transcendência. Não é o meu caso. O que todos os espiritualistas que li parecem ter em comum, o que me interessa mesmo nesse tipo de ensinamento, é um chamado para ASSUMIR A RESPONSABILIDADE pela sua vida - não entregar "a Deus" o seu caminho, não atribuir ao destino tudo o que lhe acontece, mas entender que você é TUDO o que há. Assim, em você está a guerra e a paz, a raiva, a calma, tudo o que você quer para você e critica nos outros - portanto nosso pensamento e nossas ações contam. Sentimos dentro de nós aquilo que nos faz vivos (pare agora e sinta o que está por trás do pensamento. Tem algo, não tem?), e isso vale para quem segue ou não todo tipo de religião; e cuidar dessa UMA coisa, essa fonte eterna de vida, é o que é, para mim, ser religioso. 

A origem correta da palavra, a que rejeitei no início do texto, faz sentido aqui, para quem teve preguiça de clicar no link: "relegere, em que re-, "de novo", está associado ao verbo legere, "ler", abrigando o sentido de "tomar com atenção". Uma pessoa vive a religião quando, uma e outra vez, cuida escrupulosamente de algo muito importante, algo que deve ser cultuado." 

E o que é mais importante que a vida?

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Este é o centésimo post do The Passed Pawn! E eu vou comemorar: uhú!

terça-feira, 9 de abril de 2013

Nada pessoal


Pela primeira vez no blog, vou postar um texto alheio. Ele mudou minha percepção das coisas. O original está em http://vividlife.me/ultimate/30100/dont-take-anything-personally e esta abaixo é uma tradução totalmente livre feita por mim. É meio longo, então, sente-se confortavelmente ou fique à vontade para desistir. Espero que goste, caro desleitor!

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Imagine que você está em um shopping gigantesco com centenas de salas de cinema. Você olha em volta para ver o que está passando e nota que o título de um dos filmes é o seu nome. Incrível! Você entra na sala, que está vazia, exceto por uma pessoa. Bem discretamente, para não interrompê-la, você se senta atrás dela, que nem percebe a sua presença; toda a atenção dela está no filme.

Você olha para a tela e, que surpresa! Reconhece todos os personagens do filme - sua mãe, seu pai, seus irmãos e irmãs, seu amor, seus filhos, seus amigos. Então você vê o protagonista do filme e é você! Você é a estrela do espetáculo e essa é a sua história. E aquela pessoa na sua frente, bem, também é você, vendo você mesmo atuar no filme. É claro, o protagonista é apenas como você acredita que é, assim como acredita serem os coadjuvantes, porque, bom, você conhece sua própria história. Após um tempo, você fica um tanto impressionado com aquilo tudo e decide ir até outra sala.

Nessa sala também tem só uma pessoa assistindo e ela não percebe nem que você se sentou ao seu lado. Você começa a assistir também e reconhece todos os personagens, mas, dessa vez, você é apenas coadjuvante. Essa é a história de vida de sua mãe, e é ela quem está ali, completamente atenta ao filme. Aí você percebe que sua mãe não é a mesma pessoa que estava no seu filme. O jeito como ela se projeta é totalmente diferente no filme dela. Esse é o modo como sua mãe quer que todos a vejam. Você sabe que não é autêntico. Ela está atuando. Mas você começa a entender que é como ela se vê e fica um pouco chocado.

Então você percebe que o personagem que tem o seu rosto não é a mesma pessoa que estava no seu filme. Você diz a si mesmo: "Ah, esse não sou eu", mas agora você sabe como sua mãe te vê, no que ela acredita a seu respeito, e está longe da sua crença sobre você mesmo. Aparece o personagem do seu pai e o jeito como sua mãe o percebe, e não tem nada a ver com o jeito que você o vê. É completamente distorcido, assim como a percepção da sua mãe em relação aos outros personagens. Você vê o que sua mãe pensa a respeito de seu companheiro e fica até um pouco irritado: "Como ela ousa?!" Você se levanta e sai de lá.

Na sala ao lado está passando a história do seu amado. Agora você pode ver qual é a percepção dele a seu respeito e o personagem é absolutamente diverso daquele do seu filme ou do filme da sua mãe. Você percebe como ele vê seus filhos, sua família, seus amigos. Você vê como ele quer ser visto e não é a forma como você o vê, de jeito algum! Você sai do filme e vai assistir ao de seus filhos, como eles te veem, como veem o vovô, a vovó, e você mal pode acreditar. Aí você vê os de seus irmãos e irmãs, os filmes dos seus amigos, e você descobre que todo mundo distorce todos os personagens em seus filmes.

Depois de ver todos esses filmes, você decide retornar ao primeiro cinema para ver o seu próprio mais uma vez. Você se vê atuando no seu filme, mas já não acredita no que vê; você não acredita mais em sua própria história pois pode ver que é apenas uma história. Agora você sabe que toda a atuação em que se empenhou a vida inteira não serviu de nada, pois ninguém te percebe do jeito que você quer ser percebido. Você entende que todo o drama acontecendo no seu filme não é percebido por ninguém ao seu redor. Fica óbvio que a atenção de cada um está em seu próprio filme. Eles nem percebem que você está sentado bem ao lado deles no cinema! Os atores estão com toda sua atenção voltada para seu próprio roteiro e é a única realidade em que eles vivem. A atenção deles está tão viciada na sua própria criação que eles nem percebem sua própria presença, aquele que está observando o filme.

Nesse momento, tudo muda de figura para você. Nada mais é a mesma coisa, pois você vê o que está realmente acontecendo. As pessoas vivendo em seus próprios mundos, seus filmes, suas histórias. Eles apostam todas as suas fichas naquela história e ela é verdadeira para eles, mas é uma verdade relativa, porque não é a verdade para você. Agora você pode ver que todas as opiniões que eles têm sobre você são dirigidas àquele personagem de você que vive no filme deles, não no seu. Quem eles estão julgando por você é o personagem de você que eles criaram. O que quer que seja que pensem de você é, na verdade, sobre a imagem que têm de você, e essa imagem não é você.

A essa altura, está claro que as pessoas que você mais ama não lhe conhecem e você também não as conhece. A única coisa que você sabe sobre elas é aquilo em que acredita a respeito delas. Você conhece apenas a imagem que criou para cada uma delas, e a imagem nada tem a ver com aquela gente. Você pensava que conhecia seus pais, seu cônjuge, seus filhos e amigos muito bem. A verdade é que você não faz a menor ideia do que está acontecendo no mundo deles, o que pensam, o que sentem e com o que sonham. O que mais surpreende é que você pensava que conhecia a si mesmo. Então vem a conclusão de que você nem conhece você mesmo, pois está atuando há tanto tempo que dominou a arte de fingir ser o que não é.

Consciente disso, você percebe como é ridículo dizer: "Minha esposa não me entende. Ninguém me entende." É claro que não entendem. Nem você se entende. Sua personalidade muda de um minuto para outro, conforme o papel que está interpretando, de acordo com os coadjuvantes na sua história, a ver com os seus sonhos naquele momento. Em casa, você tem certa personalidade. No trabalho, tem um jeito totalmente distinto. Com suas amigas, é uma coisa; com seus amigos, outra. Mas ao longo de toda a sua vida você supôs que as outras pessoas te conheciam tão bem, e quando elas não agiram como você esperava, você levou para o lado pessoal, reagiu com raiva e usou as palavras para gerar um monte de confusão e drama à toa.

Assim fica fácil entender porque há tanto conflito entre seres humanos. O mundo está povoado com bilhões de sonhadores que não estão cientes que os outros estão vivendo em seus próprios mundos, sonhando seus próprios sonhos. Da perspectiva do protagonista, que é seu único ponto de vista, tudo tem a ver com eles. Quando um personagem secundário diz alguma coisa que não bate com a história deles, eles ficam nervosos e tentam defender seu ponto de vista. Eles querem que os outros integrantes da história sejam como eles querem que sejam, e se não são, ficam magoados. Eles levam tudo para o lado pessoal. Com essa consciência, você também compreende a solução. É algo muito simples e lógico: Não leve nada para o lado pessoal.

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Este é o trecho do livro "O Quinto Acordo: Guia Prático do Autodomínio" (tradução livre), de Don Miguel Ruiz. Ele é de uma família de curandeiros mexicanos e carrega centenas de anos do legado místico e conhecimento do povo Tolteca. Ele passou por uma experiência extracorpórea após um grave acidente de carro que mudou sua vida, e hoje dedica-se transmitir o conhecimento adquirido em inúmeras viagens a lugares sagrados em todo o mundo.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Struggle


I see struggle in every face
In the mirror I see struggle
But the struggle has no face

I see a mirror in your face
In the struggle I see mirrors
Though reflections do not struggle

I see a face in the mirror
In me I see you and one face
And I face the struggling truth

That is to be