quarta-feira, 28 de maio de 2008

Ainda

À beira do abismo
uma brisa é o fim
estados de mim
escravo de mim

O ar é o mesmo
inspiro temendo
acabar com a dor
abraçar o amor

E quando eu quiser
será verdade

E se eu sair
serei ainda?

Ainda são

À força do laço
desfaço-me em presa
do peso de mim
apego sem fim

A corda é a mesma
do acorde que temo
escutar em paz
receber a luz

E quando eu me vir
talvez te perca

Mas se eu souber
seremos sempre

Ainda um

AllanZi - Ainda.mp3 (Rapidshare)

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Abaixo o apEgo

Não é só mais um título "espertinho". O apego que temos pelo ego está lentamente nos levando à ruína e tornando ilegítimos quaisquer esforços sinceros de luta pró-minorias e/ou coletividades. Enquanto dermos mais importância a esse títere que inventamos, boneco de ventríloquo que animamos e ao qual damos voz, faremos justamente a vontade de uma força descomunal que nos encaminha aos empurrões para um progresso vazio, uma cultura com o ego no centro do quadro, objeto de culto, motor da alienação plena. Grupos são compostos por indivíduos, e é sobre a individualidade orgulhosa que tripudiam centenas de tipos de fazedores de dinheiro. O feminismo, para citar só um exemplo, que pode ter nascido de um genuíno impulso libertário de mulheres cheias de indignação e coragem, ao ser comprado, processado e vendido mais caro (é o que o capitalismo faz), tornou-se a imposição de um estilo de vida estupidamente masculino ao "universo feminino", resumindo a realização do desejo de liberdade e igualdade ao uso de blêiseres chiques em cargos executivos por parte de mulheres com voz imperativa, não necessariamente ativa, que imitam o que de pior há no comportamento machista dos homens de negócios. Uns poderiam argumentar que a mulher faz negócios à sua maneira, mas só o fato de fazê-los é em si uma repetição imposta, visto que, uma vez livre do servilismo, a mesma mulher tem potencial para dar uma infinidade de contruibuições ao mundo e à humanidade. O feminismo virou, portanto, um fetiche propagado e vendido como idéia, alimento egoísta. É o que o capitalismo faz.

Mas a idéia não se aplica apenas às chamadas minorias, sendo estas meros artifícios para agrupar os que antes ficavam propositalmente de fora do sistema, atuando em sua periferia para suprir algumas de suas necessidades básicas, mas sem usufruir de seus produtos ilusórios - agora eles foram propositalmente incluídos para aumentar o consumo. Não. Cotidianamente todos estamos envolvidos num grande jogo de brincar de ser aquilo que já se brinca de ser. Em outras palavras, os patrões em geral já brincam de chefiar, ditando as regras iniciais do jogo, visto que eles apenas representam, como um ator faz com seu personagem, e geram o modelo a ser reproduzido. Os subordinados, por sua vez, brincam de brincar de tentar serem chefes, desenvolvendo suas peças no tabuleiro de acordo com as regras iniciais, até que também as possam ditar a outros. E tudo passa por verdade. Mas nesse mundo de faz-de-conta, as regras iniciais revelam-se outra cópia, e na busca pelos criadores das regras originais, a pessoa comum perde-se num emaranhado incrivelmente extenso, mas finito. Porém, quanto mais se luta, mais se deixa enrolar na teia de uma aranha invisível, ou melhor, oculta, pois o invisível é algo de que procuraremos tratar mais tarde. São, na verdade, milhões de teias diversas cruzando umas com as outras, coisas vendidas como globalização, aldeia global, etc., que não passam de aranhas intercambiando os frutos das capturas de suas teias. Menos que ocultas, as aranhas são de fato enormes; nós, os insetos, é que estamos perto demais para vê-las em sua totalidade.

Sob essa mesma metáfora poder-se-ía incluir mais um aspecto, o mais importante, o único positivo, e que deveria ser o único, ponto final: a invisibilidade da consciência. Cheguei a considerar o uso da palavra "deus"; pensei na palavra "todo"; cogitei a palavra "um" - amém, amém, amém. O que não vemos, ou procuramos não ver, é o algo, ou nada, o onde, ou lugar nenhum, que origina e encerra tudo. É o que está por trás de todas as mentiras, pois as verdades assumidas nesse grande jogo supracitado não passam de mentiras, enquanto nenhuma é a verdade. Isso pode causar controvérsia entre alguns não-leitores, mas é curioso como em tantos anos de ódio pelas religiões, em geral, acabo agora repetindo essa máxima, motivo máximo de minha raiva que não existe mais. Aprendemos certos e errados que estão ambos errados, pois foram criados além da criação. Um mundo de certezas baseadas em nada, ou antes fossem, pois são assentadas em reflexos, imagens vagas, experiências incertas. Universo de signos, símbolos, caracteres, formas que se auto-imitam há tempos, mas querem dizer sempre as mesmas coisas. Acontece que se, por um lado, a idéia de unicidade ou verdade única é utilizada como instrumento de opressão e controle indevidamente pela maioria de auto-proclamados líderes espirituais, e isso obviamente deve ser repudiado, por outro, num uso livre, espontâneo e positivo, é apenas a constatação pacífica, feliz e plena de uma realidade natural interior, que tentamos inutilmente negar. Vivemos, debatemo-nos e estrebuchamo-nos na busca de soluções para um jogo que inventamos e não tem solução. Nadamos contra uma corrente branda que nos convida, há milênios, a navegar tranqüilos. Tudo em favor de um ego que, longe de nos representar ou espelhar, escraviza-nos, e nos faz guerrear em vão com um "eu" invisível e verdadeiro, que precisa ser percebido, simplesmente. Se entendermos que certo e errado são só pedaços do caminho que todos precisamos trilhar, veríamos que fazer o certo não é obedecer e impor ordens, mas deixar que sua natureza mais essencial siga seu curso, ao invés de criar empecilhos artificiais, atrasos que só ferem o nosso próprio desenvolvimento como seres.

Portanto, nada do que foi criticado na parte inicial do texto tem importância. Não é algo bom, mas não afeta em absolutamente nenhum grau àqueles que crêem com todas as suas forças no fato de sermos parte de algo muito maior, fora do alcance desses joguetes. Não é motivo para este blogueiro inexistente parar de denunciar seus testemunhos oculares: afinal, se sinto-me "semi-desperto", sinto-me, também, na obrigação de transmitir todas essas impressões a quem está por despertar brevemente. Mas não me impede também de mostrar que há outro lado, e que, sendo assim, não há o que temer. Esse processo de abertura da percepção é demorado e requer paciência, mas é sem dúvida muito mais gratificante do que nossa corrida diária rumo ao mesmo lugar. Não quero ser radical, não gosto de ser radical. É claro que nossa ciência evoluiu, ou pelo menos agigantou-se, excedeu seus próprios limites e passou a abarcar detalhes antes ignorados, não explicados, não traduzidos à tal da linguagem... Mas será isso 'tudo'? Estaremos simplesmente 'escrevendo' o mundo, e para quê? Será que com isso não estamos somente limitando um espaço que pode ser muito mais vasto? E se tudo isso soa estranho vindo de alguém considerado cético por outros, basta saber que não cheguei a essas perguntas e conclusões por um raciocínio cartesiano, lógico, exato, tampouco graças a uma "revelação", dessas que costumam falar os envangelizadores televisivos. É uma percepção perfeitamente acessível a todos, e para que isso aconteça é necessário se permitir, por alguns segundos da vida, deixar de lado as preocupações, paranóias e sofrimentos voluntários. Alguns segundos. Num mundo em que um motorista mal perde dois segundos para que você, pedestre, possa atravessar a rua, isso parece difícil. Mas não é. E ao fazermos isso, podemos entender, finalmente, que não sabemos quem somos. Se você pensa ser reações químicas, sinapses e descargas elétricas dentro de um cérebro, não há problema. Só não vá entrar em curto pensando como sua mente consegue fazer isso, e você sabe que sabe que faz. Somos nada, e não há o que temer.

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Trecho de Music for a Large Ensemble, de Steve Reich (só audio, e é só o que precisa):