sexta-feira, 2 de março de 2007

Bolsa insábia (uma pseudo-crônica) - parte 3

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Daquele vendaval de descoberta e sensação de capacidade ilimitada para a absorção do saber, felizmente, ainda guardo um sopro. Hoje, porém, trato de selecionar minimamente os escritos sobre os quais pousar os olhos, ainda que não seja um bibliófilo tão dedicado quanto gostaria. Escolho com certa reserva meus filmes, as músicas que ouço... Mas escolhi não ter de escolher mais entre notícias idênticas umas às outras, aboli telejornais do meu sofá teledormível, interneto quando muito a procurar bugigangas musicais, mas o jornalismo diário, mandei às favas. Mesmo com essa amostragem besta que fiz acima, já deu para perceber o nível de influência que a bolsa da China teve na minha rotina. Zero. Assim como se alterou muito pouco meu estado de espírito quando amigos meus indignavam-se com o estadismo populista dos temíveis países sul-americanos, liderados por homens que sabem ter o povo do lado deles. Tenha santa paciência! Acham ruim privatizar, acham ruim estatizar... Tentem ficar um dia sem ver o Jornal Nacional que terão uma opinião mais decente.

É como aquelas enquetes que a Globo obviamente nunca mostraria, mas que vi também na TV-Cabeça, que perguntava aos transeuntes: "Você é bem informado"? A resposta era na lata: "Craro! Vejo a Grobo todo dia". Já em outro documentário que não vou lembrar o tema e nem em qual emissora assisti, uma família paulistana da periferia era mostrada no aconchego do lar. Primeiro novela, e os semblantes iam mudando conforme a tensão das cenas crescia ou amainava. Depois Jornal Nacional. Ares sérios, todos compenetrados e claramente esforçados em compreender aquela enxurrada de informação. O Homer do Bonner (o William uma vez disse que o telespectador para quem ele edita o jornal é o Homer Simpson) não é tão Homer assim, já que este nem esquentaria a cabeça em tentar compreender com um rosto grave o que diabos quer dizer a queda da bolsa de valores na China para sua vida medíocre. Ele só iria à geladeira pegar mais uma cerveja.

Ó, sábios macro-micro-economistas, ó poderosos CEOs, CFOs, marketingueiros e dinheiristas de plantão, podem vir! Descarreguem o verbo a tentar me convencer da importância da bolsa da China no meu cotidiano. Algum preço vai subir? Eles sobem por muito menos e não posso impedir. Meu salário? Não estou empregado, só frilando. Meu possível novo emprego? Qualquer negócio da China serve. Preciso estar atualizado para me dar bem no mercado de trabalho, hum, é verdade... Segredo: mesmo quando estava exercendo o jornalismo em todo seu esplendor, eu já ignorava os noticiários e, mesmo assim, recebia uns "parabéns" aqui e acolá, por minhas matérias. Os boletins minuto-a-minuto acabavam sendo meus colegas que, pasmos, não acreditavam que eu não soubesse da última. No entanto, quando muito, estes extraíam de mim um "olha só, que coisa", e me faziam lembrar de levar um guarda-chuva no dia seguinte.

(continua)

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