domingo, 20 de janeiro de 2008

Relógio de Pulso

Nasceu dormindo, num domingo, e quase foi dado por morto, não fosse um pulso fraco, mas pulso, que lhe acometia. Às tantas foi acordado e aquela tal luz a que foi dado parecia a morte, dor pulsante, chorou de raiva, dormiu de susto. Em dado momento da existência infantil, por vezes injusta, ainda que dela, sob nostálgica luz, digam-se doces advérbios e adjetivos temporais, descobriu ser do sol distante aquele brilho, não invenção de seu pai, e de choque pulsaram-lhe as têmporas. Quando se ia, se dormia. Ah, se nos fosse dado mais tempo, morreríamos jovens, ora, não é o desejo geral? Ser jovem por um século e disso padecer, mas padecia o nosso jovem do medo de envelhecer. E assim o fazia, medrando tarde, madrugando cedo da curta e bem quista morte, trabalhava duro a vida, essa vida, talvez dádiva, talvez maldição, acontece que o mundo não lhe deixava escolher, e o impulso padrão era sofrer pela opção positiva, e aprendia a passar o dia a esquecer o dia-a-dia, para ver no fim do próximo, ou do mês, o ouro em seu bolso luzir. Que alegria, será que podia com isso comprar seu sonho dourado, seu prêmio aguardado, seu sono atrasado desde a concepção? Foi saber que não, sossego não tinha, enquanto não obtivesse o objeto mais novo, e subisse na empresa, empreitada, ganhasse respeito, mas subiam-lhe aos montes, nas costas, cabeça, às suas custas, macacos que fazem, faziam, executivos? Vai lá saber. Mas isso era bom, carpe diem, a propaganda dizia, a se apropriar da vigília, forçada, é verdade, do já não tão jovem, pela tática da repetição: um pulso, impulso, dois, latência, retorno, que lucro, que nada, que lástima. No fim desse túnel parecia nem haver centelha, mas no meio ardeu uma chama, quando venceu-o a paixão, e a ânsia de alimentá-la. Haja lenha, mas tempos felizes sem sono, por fim, quem diria, passava. Se empenhava em pulsar prazer e prover, a trazer todo dia pra casa o amor e seus frutos, quando então contraíram saúde e doença, ele e a Lúcia — até que a morte os separasse. Não precisou tanto, bastou convivência e o fogo se foi, por mais que nas brasas se cresse, mas nesse entremeio uns rostinhos brilharam, famintos gritaram, e ensinaram ao desjovem afeto, cuidado, tamanho que sono não havia, que vida, que vidas! Já quando essas graças partiram, à sorte ou azar, motores de igual propulsão, almejou retornar a dormir, relutante e sincero. Dúvida dada, passou a ver mundo enfadado, reclinado, de olhos semicerrados em frente à telinha mortal, destruidora de vistas, lares, globos oculares, irradiando luz e projetando sombras, silhuetas d'alma, sombrias e sós: paredão. E então que esse homem, recebendo o folclórico tapa traseiro tardio, ausente, de início, gritou em silêncio o rebento da idéia final. Havia dormido, o tempo passado, e o sono querido era a paz acordada, vivida a valer, que agora colhia, mesmo sem ser, um luto contente, e no entanto antecipado. Quis treva suave, que o sol falecesse em seu sono, e no dele, pulsando seu fim devagar no horizonte, dormindo, domingo.

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foto: A Nebulosa de Ampulheta, 8.000 anos-luz distante, tem uma espécie de cintura, em função dos “ventos estelares” que a formam serem mais débeis no centro.

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Nova versão de "Da Música", gravada ontem

4 comentários:

Six Pièces Pour Piano disse...

'pulsando seu fim devagar no horizonte, dormindo, domingo.'


Os domingos me estressam por causa disso o.o

Todos dormem!!! Pelo menos todos daqui ¬¬

Felipe Werly disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Felipe Werly disse...

"Ser jovem por um século e disso padecer, mas padecia o nosso jovem do medo de envelhecer."

tem muita gente que teme o inevitável...

olá!
vim lhe fazer uma visita, indicado por Thaís, minha amiga... (pianostentamserguitarras)
soube que você tem algumas músicas... adoraria ouvi-las!
até logo o/

Anônimo disse...

Cada dia me surpreendo mais com os seus textos!

Ficou muito mais limpa essa versão 'da música'!
Cada vez mais profissional! :D

Parabéns, meu pequeno!
Sucesso pra ti!
Beijãão