quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

A vida em xeque, ou terror cotidiano (parte 2)

[link para parte 1]

Nesse meio tempo, compramos para obter finalmente o valor de nosso trabalho e de nossa vida. E vale? Uma jornada teórica de 8 a 10 horas por dia, mas que muitas vezes se estende por 12, 14 horas, com 1 hora para se alimentar e tentar aliviar a tensão. Se o dia só tem 24, de quantas horas você precisa para dormir? 7, 8? Lá se foram então 17 delas, levando em conta um tempo médio de permanência no trabalho de 10 horas e sono de 7. Nas 7 horas restantes você precisa em média de 2 para acordar, tomar um banho, vestir a roupa, quem sabe tomar café-da-manhã, obter um transporte para ir ao local em que trabalha e embrenhar-se em um trânsito sem fim para tal. 5 horas é portanto o que sobra para estudar, ver seus amigos, cuidar de seus filhos, amar seu (sua) companheiro (a), entreter-se com leitura, música, cinema...

Mas, ah, que alívio! Existem os finais de semana! Dois dias inteiros pelos quais aguardamos nos outros cinco. Neles podemos fazer em abundância tudo aquilo que só tínhamos 5 horas ou menos para realizar, e o melhor: podemos comprar! Para no início da próxima semana "útil" continuarmos extenuando nossa saúde em tarefas repetitivas, com exigências exdrúxulas e prazos minúsculos. Neste momento pensamos nas férias remuneradas... um mês inteiro para fazer tudo aquilo que tínhamos antes 5 horas e depois 2 dias para fazer. Vinte dias, talvez, pois está meio difícil para as empresas aguentarem trinta dias inteiros sem você. Quinze dias, uma semana? Ok! Para depois recomeçar o ciclo inteiro. É esta a terra prometida de cada vez mais abundância e cada vez menos trabalho que nosso estilo de vida nos promete? Não seria pouco evitar a morte para antecipá-la?

Em uma sociedade que superestima a vida com cirurgias plásticas, técnicas de rejuvenescimento, vitaminas, remédios anti-radicais-livres, calmantes, livros de auto-ajuda que dão a fórmula do bem viver e do sucesso, com programas de televisão que nos ajudam a esquecer diariamente todos os nossos problemas, igrejas que pregam uma vida póstuma divinamente melhor, desde que você realize o bem por eles imposto (pois você é um pecador), é realmente muito fácil temer a morte. O terror que sentimos todos os dias é maior ou menor que a palavra "terrorismo" que ouvimos na televisão todos os dias? Essa invenção recente apenas materializa o mesmo medo que sentimos, como uma maneira de reforçar a preservação desse estilo de vida a todo custo. Ora, agora temos inimigos de fato para os quais direcionar nossa preocupação, para nos distrair do inimigo rotineiro.

O pensador francês Jean Baudrillard, que ganha muito dinheiro para divagar como faço agora, mas com muito mais embasamento, categoria e lógica, publicou um artigo no jornal parisiense Le Monde, em 2 de novembro de 2001, pouco depois do espetáculo catastrófico das torres gêmeas, em Nova Iorque. Um dos trechos exemplifica bem essa confusão imensa que você leu até agora:

"Isso vai muito além do ódio ao poder global dominante por parte dos deserdados e explorados (...) Este desejo maligno [de destruir o poder] está no próprio coração daqueles que partilham os benefícios desse poder. Uma alergia a toda ordem definitiva, a todo poder é felizmente universal, e as duas torres do World Trade Center encarnaram perfeitamente, em sua duplicidade, essa ordem definitiva. (...) É muito lógico e inexorável que o crescimento do poder exacerbou a vontade de destruí-lo. E o poder é cúmplice de sua própria destruição".

"Quando a situação é monopolizada por um poder global, quando este lida com uma condensação formidável de todas as funções por meio de maquinário tecnocrático [a tecnologia] e hegemonia ideológica absoluta (pensamento único), que outro meio há além de uma reversão terrorista da situação? Foi o próprio sistema que criou as condições objetivas para essa distorção brutal. Tomando todas as cartas para si, ele força o Outro a mudar as regras do jogo". (continua)

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