quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Lobo Bom

Preciso do frescor da noite
e água fresca para beber

Arrefecer o calor de dentro
e sair do amor por instantes

Um frio masculino
uma dor constante
um uivo ao gélido luar

É o caminho incerto
necessária ignorância
para dar valor ao que é saber-te

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Carma, Alma Minha

(noite do apagão)

Há dias em que nos dá um estalo. Não importa a grossura das camadas com que recobrimos nossa vida em sociedade: o experimento-vida deve e irá se concretizar.

Assim como a água de um rio canalizado não desaparece, sempre fluirá a matéria de que é feito nosso destino, a intenção-mor de nossa existência: ser.

E que seria ser sem sua completude? Quem inventou a banal pretensão de que nossas hábeis mãos e técnica apagariam o amargo que precede ou sucede o doce?

Quem seria tão ingênuo a ponto de pensar numa passagem terrena de pleno conforto e gozo, sem que se prove o dissabor da angústia e do incômodo pesado do fardo de estar?

Há dias em que nos dá um estalo e vontade de explicar o que é plenamente explicável a quem é absolutamente impossibilitado de compreender que não há o um sem o outro.

Sentimos raiva por nossas pequenas desgraças cotidianas, ignorantes do propósito da raiva, que é sabê-la. Concentramo-nos na desgraça, e tudo o que dela colheremos é a incompreensão da próxima.

Sentimos amor por nosso parceiro e achamos que o que devemos cultivar é a pessoa: protegê-la dos males, da sedução externa, do mau tempo, da dor... E esquecemos de sentir só amor e sabê-lo.

Sentimos ódio de quem nos ofende, mas nunca nos perguntamos se esse pequeno demônio dentro de nós já ajudou a resolver sequer um mísero problema ou desavença. Procurei e não achei.

Os fluxos de bile e hormônios são manifestações primitivas de nossos desejos corporais. Ira, medo, perplexidade e horror não devem ser seguidos ou obedecidos, apenas liberados, sem alarde.

Sentir, pensar, viver e desconhecer. Eu não conheço o carma, mas sei que dele não se foge. É como tentar engarrafar os bons e maus ares. Você precisa deles, mas nunca os respirará.

Tudo se transfere, não importa os hábitos que se cultive. Vivesse eu no campo, sofreria com os males do campo e me alegraria com os frutos bucólicos desse tipo de viver.

Estou e fico na cidade, e de minha possível vida no campo transferem-se todas aquelas benesses e maldades traduzidas em pedra e brilho envidraçado. O experimento-vida deve e irá se concretizar.

Há dias em que dá um estalo, quero explicar o inexplicável a ninguém, e tudo o que sei é que a vida é para ser abraçada e aceita. Estamos aqui para experimentar, e não ser o experimento.

Estamos aqui para deixar que venha tudo o que deve vir a nós, tentando absorver sua essência, não apenas fingir conhecê-la por seus efeitos. Queremos entender a causa, sem entendê-la.

Há dias em que dá um estalo, não quero explicar mais nada, nem entender, só viver e deixar que assim seja. Aceito você. Aceito a mim. Aceito tudo e todos e sou tudo isso, sem ser nada. Nada.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

SeteS MeM InI MotionoitoM*

O corpo fala, a mente sente.

Os retraídos dizem tanto ao fugirem do movimento, esquivarem-se da externalidade de torcer o torso ou balançar os braços, num protesto silencioso e estaticamente inerte contra seus próprios anseios ocultos, desejo encerrado, libido embalada em razão.

Os extrovertidos, com energia extra e não menos sobejo desengonço, de tanto que querem falar acabam por abafar o raciocínio atrás de uma vaidade muscular, derrubando em êxtase a ideia de intimidade, distando dos próximos na vontade sôfrega de se aproximar.

O corpo fala, a mente sente.

E insistimos em verbalizar o que nunca foi preciso. Hoje sei que aquele porvir do beijo era beijo por vir e ficar, e agora conheço a tagarelice do amor: delata-me nervos, emos e ções, doces e quentes, sem proferir palavra.

Leio-te as entrelinhas de entreolhares, quero-te em suas linhas circulares, tenho-te no côncavo e convexo dos gestos que nos fazem e nos são. Sei-te agora, pois se antes te ouvia, hoje escuto. Se antes me parava, hoje me mexe, me move e comove - motor dos meus sonhos.

O corpo fala, a mente mente, e a alma em ação, enfim.

--
* Set me in motion.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Des/apercebido

O homem deixado à sua mente
é homimado
e todo dia cria um novo mundo

Sem gente, só os cria/dores:
o outro, o diabo
ou diaboutro
e Deus à sua semelhança
ou dEUs

Só olha pra frente
pois claro
tem olhos pra fora
e pavor, escuro
de dentro

Mimetizando o mimo da mãe
ao protegê-lo do inimigo
aquém da ignorância
além do saber

Ele mesmo?
Seu pai.
Ou ele mesmo

Nós morremos por sorte
e Sócrates, na cicuta

sábado, 29 de agosto de 2009

Deslize

Deslizas tanto a mão pela flor
que vais encontrar um espinho

Não é surpresa, bem sabes
mas não antecipes a dor

Deixa, que quando vier
ouvirei de uma vez teu clamor

Em vez da lamúria constante
por futuro dissabor

--

De algum dia de 2009...

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Quadradondo

Tudo é liso

plano

estéril

chato

reto

branco

limpo

seco

estável

certo

novo

puro

claro

firme

sério



Eu sou leve

solto

errado

frágil

mole

torto

negro

simples

gente

fácil

tolo

falho

mesmo

sinto

amor

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Na Superfície

Na certeza da rotina
nada mais me surpreende
meu olhar petrificado
chora lascas de metal

A cidade é a saída da cidade
e a saída da cidade não se dá
nem se vende

Eu sinto bom resquício de bondade
meu amor a serviço da saudade
e a memória que se dá
meu coração entende

Mas perco a medição de tudo
não me seduz medusa
e lágrima se produz

Nosso pranto desemboca na avenida
margeando a dor da rua
cortando-lhe toda a face

Toda personalidade foge
toda paz, imersa em túneis
sedimenta calmamente
os subterrâneos do ser

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Amante do Mundo

É preciso lutar com amor
Mas o amor é uma massa mais densa
que etérea
E aceitar que nunca tive o controle de nada
apenas dei nome a tudo o que me acontecia
é saber que eu e você somos anônimos
e essa força não precisa de pronomes
nem rédeas

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Me Espera


O silêncio cômodo e diário de renúncia
como podemos deixar?

Quem verteu sobre nós essa cera
de sobrevivência opaca e escura
secou nossas bocas
de qualquer fluidez que fora

E eu me sinto perdendo tempo
perdendo tempo
perdendo tempo!
Pois só me ensinaram a ganhar

Fui criado em glória crônica
temperamental, maculosa
de se ter sempre sem

E sou obrigado a ver e ser
uma dessas caras fechadas sem gosto
no retorno pro retorno
sem lar
nem lugar pra apoiar o caderno,
com espetos no recosto
nesse câncer de paredes
sem mesas nem cadeiras
pra descansar

E será que há medo semelhante
ao medo do semelhante?

Há muita gente nesse rio em cheia
de gente cheia de gente
E minha cabeça cheia
de complexa inutilidade

Depressão profunda na face do mundo
e o mundo de costas pra vida

Eu sei que há beleza,
me espera,
eu sei que a beleza me espera
só não quero fazê-la esperar

segunda-feira, 16 de março de 2009

Amata-me, amor, me encontra

Quero sim o bom da vida
sem esperar que ela me dê
nem tampouco tomar dela
bem-me-quer dela, meu quê

Quero amor de uma só sorte
da mesma que presenteia
me envolve, mulher-me, ensina
me mata antes da morte
e salva-me!

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

44h

Eu trabalho o legalmente permitido

Se é só isso,
não me legue o seu resquício
de promíscua humanidade

Nem te ligo, logo saio
largue mão e leve larga liberdade

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Teramar

Não preciso tê-la
para que sejas minha

És minha ausência de posse
e minha, ainda assim

És meu desapego das coisas
e minha, ainda que em outro gênero

És minha falta de tempo
e minha, pela eternidade

És tudo o que de todos é só meu

És minha, e quero não precisá-la
mas preciso querê-la

Envolves o que nada tenho
e é assim que me proteges de ter

Pois és minha
e só o que tenho é de ser teu